São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 1994
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Compulsório gera efeitos danosos, diz Schulman

FIDEO MIYA ; RODNEY VERGILI
DA REPORTAGEM LOCAL

RODNEY VERGILI
O banqueiro Maurício Schulman, 62 anos, assumiu na última quinta-feira em São Paulo a presidência da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos), com um discurso em tom contemporizador, mas não deixou de alertar o governo para os efeitos colaterais danosos da "cunha fiscal" representada pelos compulsórios sobre as operações bancárias e pelos impostos.
Ele disse que "os bancos não se opõem às medidas fortes, mesmo que os atinjam intensamente, se forem úteis e eficazes aos propósitos maiores da sociedade", numa alusão às medidas de arrocho ao crédito adotadas desde a implantação do Plano Real.
Mas acrescentou que é preciso "estar atento aos efeitos colaterais das medidas adotadas, particularmente quando provocam instabilidade prolongada que nunca se restringem ao mercado financeiro e acabam por contaminar toda a economia, favorecendo a ação dos especuladores e oportunistas".
Schulman, que vai comandar a Febraban nos próximos três anos, é presidente dos conselhos de administração do Bamerindus, terceiro maior grupo financeiro privado do país, e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), maior produtora de aço da América Latina, privatizada em 1993.
Engenheiro civil com especialização em energia elétrica e economia na França, ele já ocupou cargos públicos no Paraná, do qual foi secretário da Fazenda, e na área federal, onde presidiu o extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) e a Eletrobrás.
Seguem, abaixo, os principais trechos da entrevista concedida à Folha:

Folha - Nas relações entre governo e bancos, como o senhor encara a questão dos compulsórios, que resultou na liquidação de sete bancos pequenos desde a implantação do Plano Real?
Maurício Schulman - Vamos olhar as causas e não os efeitos e sintomas. Através de medidas de natureza financeira e monetária, o governo tinha o objetivo de inibir este surto de consumo, que é bem-vindo por todos, mas cuja velocidade de aceleração em algumas áreas estava ficando incompatível com a disponibilidade de produtos, gerando pressões inflacionárias. Então o governo tomou medidas, primeiro no compulsório sobre depósitos a prazo e depois no compulsório sobre as aplicações financeiras, para cortar esse ritmo e com certeza ele foi feliz na dosagem do remédio.
Folha - As medidas produziram o efeito desejado?
Schulman - As informações são de que a demanda caiu em torno de uns 15% em novembro, em relação aos níveis de setembro. Houve uma enorme queda na venda de carros usados, o que progressivamente vai reduzir a pressão em cima dos carros novos, tendendo a reduzir o ágio que existia na maioria dos modelos populares.
Folha - E quanto ao impacto sobre os bancos?
Schulman - O remédio efetivamente produziu efeito, só que, como qualquer remédio, tem efeitos colaterais que são extremamente danosos para aqueles que não tinham os anticorpos para se defender. Alguns até sucumbiram por causa desses efeitos colaterais. Instituições financeiras que estavam descasadas, ou no tipo de moeda ou nos prazos em que estavam aplicadas, com taxas de juros às vezes muito convenientes, dando créditos a seis, oito, dez meses e tomando dinheiro no dia-a-dia. Com o estreitamento da liquidez, ficaram sem o dinheiro do dia-a-dia e acabaram sucumbindo. Claro que aqueles que estavam mais casados e que já faziam empréstimos a seus clientes em prazos semelhantes aos créditos que tomavam de outros bancos ou do mercado não têm problemas.
Folha - Como o senhor avalia a situação dos bancos liquidados?
Schulman - Eu diria que eles já tinham algum germe de desequilíbrio, que muitas vezes foi a razão deles terem ganho muito dinheiro. Eles apostaram, por exemplo, em aplicar longo e captar curto, enquanto muitos, ao contrário, aplicaram rios de dinheiro aplicando curto e captando longo. O modo de atuação e a tendência dos juros acabam dando diferenças muito grandes nessa alavancagem. O problema é quando se é pego no contrapé.
Folha - O senhor pode dar um exemplo?
Schulman - Por exemplo, muitas instituições boas e idôneas perderam dinheiro no câmbio nesses últimos meses. Não acreditaram que a política de câmbio fosse para manter um diferencial grande entre a paridade original do plano, de um por um. O preço do mercado livre situou-se na casa dos 85, 83 centavos de real por dólar. Muitos apostaram que isso era muito passageiro e que em dois ou três meses iríamos voltar à paridade de um por um. Estão perdendo a diferença.
Folha - E a crise dos bancos estaduais?
Schulman - Não se pode generalizar o problema dos bancos estaduais. Alguns estão bem, outros têm problemas estruturais, com custos operacionais que não podem ser cobertos por causa da estabilidade da moeda, já que, assim como ocorre com os bancos privados, não estão mais ganhando dinheiro com o "floating".
Folha - Que dificuldades o senhor identifica nos bancos estaduais?
Schulman - As dificuldades dos bancos estaduais derivam em parte dos mesmos males que atingiram os bancos pequenos: estavam descasados. Fizeram operações de crédito a clientes em prazos mais longos do que os prazos de captação de recursos. Alguns deles estão contaminados pelas dificuldades de caixa do Tesouro ao qual pertencem. Outros, através de interesses do próprio controlador, fizeram operações com a firme intenção do devedor de não pagar no vencimento e fazer a sua rolagem com novas operações.
Folha - Um Banco Central independente resolveria o problema?
Schulman - Cada banco, público ou privado, tem que analisar sua situação. Entendo que nessa transição, é obrigação do Banco Central, em entendimento com os acionistas controladores, encontrar uma saída. Se o banco tem problemas momentâneos que os acionistas têm capacidade de resolver num prazo razoável, acho que o Banco Central tem que encontrar mecanismos de saída para não ter trauma no mercado. Agora, se um banco, tanto privado quanto público, tem dificuldades estruturais e o acionista que o controla não tem condições de socorrê-lo e quer deixar do jeito que está, o Banco Central fica sem alternativa, a não ser cumprir a sua obrigação.
Folha – Quais são suas considerações sobre o processo de privatização?
Schulman – O governo tem que se dedicar a suas funções primordiais: saneamento, saúde pública, educação e segurança. Se o governo distrai sua atenção para outras áreas, ele deixa de cumprir suas funções essenciais.
Eu acho que ele tem que sair das coisas que não são essenciais ao governo. E isso vale para tudo.
Folha – Vale para bancos oficiais?
Schulman – O país ainda não está maduro para viver sem nenhum banco público. Eles têm papel importante em algumas áreas de atividade em que o governo deve ter preferência de atuação, pelas suas características. Há negócios em que a atividade privada é complementar - e cito o crédito agrícola.
Folha – Como os bancos se prepararam para a estabilização da economia?
Schulman – Os bancos estão se preparando desde o primeiro plano econômico em 1986. O Bamerindus –por exemplo– fez pesados investimentos na informatização de suas agências, reduzindo seus custos através da ênfase no auto-atendimento pelos clientes. Fizemos ação de marketing importante no projeto "Gente que faz", reconhecido com o prêmio da Aberje, além disso, no período acreditamos na abertura da economia brasileira. O Bamerindus é hoje o principal agente financeiro brasileiro na área das importações. Na área internacional, é hoje o primeiro banco latino-americano a ter escritórios em Hong Kong.
Folha – Como será o relacionamento da Febraban com o governo?
Schulman – A Febraban tem 17 comissões técnicas que reúnem cerca de 800 diretores de bancos. Cada idéia que surge é discutida, por representantes de bancos grandes, pequenos, privados, estatais e estrangeiros. E acabam saindo idéias das Comissões Técnicas que são transmitidas para a diretoria e para o Conselho, que nos seus diversos estágios, politicamente são encaminhados ao governo.

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