São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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Presente de Natal perfeito deve ser inútil

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Tio Dave recebeu tanta correspondência, na semana passada, sobre sua extremamente útil crônica sobre presentes de Natal especiais que este artigo está sendo impresso pela Folha no papel reciclado das cartas.
Parece que o que os novos consumidores brasileiros realmente precisam é um guia melhor sobre presentes de Natal inteiramente úteis, como o tipo que você sonhou dar a seu professor quando tinha nove anos. ("Espere só até ele abrir o pacote e o presente EXPLODIR na sua cara!")
A nova moda em Sambalândia é comprar por catálogo. Hoje você abre a porta da frente e se vê soterrado por uma enorme pilha de material de propaganda deixada em sua casa pelo carteiro, com a ajuda de um caminhão-empilhadeira e 13 assistentes suados. A época das compras de Natal continua loucamente fora de controle, como um ataque de herpes.
Os presentes de Natal se destinam a serem dados, e não a serem usados. Um presente é um objeto que expressa a mensagem definitiva do Natal, que é: "Veja! Eu lhe comprei um presente!"
Um exemplo de presente perfeito para esta época é o barbeador elétrico. Basta ligar a TV e você verá aquelas propagandas em que um barbeador elétrico barbeia tão bem quanto uma lâmina de barbear. Milhões de mulheres gastam seus reais para comprar barbeadores elétricos e dá-los aos homens, ou milhões de homens saem e compram barbeadores elétricos para as mulheres ("Veja! Eu lhe comprei um presente!")
Aí os presenteados dizem: "Genial, um barbeador elétrico!". Depois, tanto homens quanto mulheres continuam a usar suas lâminas descartáveis baratinhas compradas no mercado. Eles guardam os barbeadores que ganharam nos armários, ao lado dos que ganharam no ano passado.
Outro presente muito apreciado que decora as páginas dos catálogos que eu recebo são latas gigantescas de milho para pipoca lambuzado com uma mistura assustadora, parecida com cimento, de chocolate e caramelo. Cada grão de milho contém carboidratos suficientes para atender as necessidades de uma cidade como Curitiba por um ano.
Se você quer presentear alguém com esse convite à morte súbita por obesidade, tudo o que precisa fazer é telefonar para seu importador (muambeiro?) preferido usando o número local gratuito, e eles enviarão uma lata dessa "coisa" para o indivíduo (inimigo?) de sua escolha. A "coisa" não chega a entrar em sua casa.
A questão em tudo isso é: por que alguém daria um presente como esse? Este é mais um exemplo de presente que é dado por dar, jamais para ser usado de fato. Há sempre a chance de que, se seu amigo lhe parece uma pessoa que apreciaria uma lata de milho para pipoca com chocolate e caramelo, ele talvez tenha centenas de outros amigos que pensam da mesma forma.
Neste caso, o sortudo pode receber latas de milho para pipoca com chocolate e caramelo suficientes para construir alguma coisa útil ("Veja, meu bem, eu construí um lavabo com as latas de milho para pipoca vazias que ganhamos no Natal!")
Quando o velho Papai Noel Dave era um pouquinho mais jovem e bonito, ele costumava frequentar os balcões de cosméticos das lojas de departamentos de artigos de Natal.
Esses lugares emitem um aroma forte, reminiscente de uma casa de má reputação. Era lá que eu costumava comprar para minha mulher e/ou namorada alguns dos meio milhão de pacotes para presente contendo pequenos frascos e jarras e garrafas chiques.
Os nomes desses objetos fortemente perfumados eram notavelmente parecidos: "Creme para o Corpo com Essência de Fragrância Hidratante", "Corpo para Creme de Essência de Hidratante" ou "Creme de Essências para o Corpo Hidratante com Fragrância". Tudo o que eu sabia era que esses objetos, colocadas sob a árvore de Natal, diziam, em alto e bom som: "Veja! Eu lhe comprei um presente."
Milha mulher, é claro, jamais sonhou em permitir que esse tipo de coisa tocasse sua pele. Em vez disso, ela deixava nosso filho infante brincar com elas. Como consequência, ele normalmente cheirava como uma casa de má reputação, o que, pelo menos, era muito melhor que algumas das outras coisas que ele cheirava, se é que você me entende.
Essas coisas não são presentes de Natal tecnicamente perfeitos. Quer dizer, se você se restringir ao nível técnico, EXISTEM maneiras pelas quais você pode realmente usar essas coisas.
O milho para pipoca, por exemplo, não apenas serve para construir ótimos lavabos, mas também pode ser usado para o isolamento térmico de seu sótão, se é que você tem um sótão. Pode ser usado também para encher inteiramente o bagageiro de seu carro, de forma que sua mulher não possa trazer para casa mais presentes de Natal inúteis.
Você pode, é claro, encontrar outros usos para seus barbeadores elétricos, como triturar baratas, por exemplo.
À medida que os fabricantes vão ficando mais enfurecidos em seus loucos esforços para drenar suas poupanças e convertê-las no Presente de Natal Perfeito, sua inventividade atinge níveis ainda mais criativos. O Presente de Natal Puro é aquele que não tem absolutamente NENHUMA utilidade, exceto construir represas tão necessárias no Nordeste.
Tradução de Gladys Wiezel

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