São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tom Cruise protagoniza festim nojento

SÉRGIO AUGUSTO

Filme fracassa na tentativa de sintetizar comédia macabra e horror erótico

Filme: Entrevista com o Vampiro
Direção: Neil Jordan
Elenco: Tom Cruise, Brad Pitt, Kirsten Dunst, Antonio Banderas, Christian Slater
Onde: a partir de hoje nos cines Gazeta, Center Iguatemi 2, Marabá e circuito

Para quem gosta de porcaria, "Entrevista Com o Vampiro" é mais que um prato feito, é um banquete.
Tom Cruise pega um rato, morde-lhe a carótida, escorre seu sangue num copo e o oferece a Brad Pitt, que o bebe até a última gota. Por que logo um rato? Porque Louis de Pointe du Lac, o vampiro politicamente correto encarnado por Pitt, não tem gana de matar seres humanos. Felizmente, para Louis, rato é o que não falta no mundo devastado por pestes por onde ele e Lestat (Cruise) arrastam suas almas penadas. Imune, como todos os mortos, a doenças de qualquer espécie, Louis suga camundongos e ratazanas sem medo nem remorso, volta e meia balanceando sua dieta com inofensivas galinhas e outros acepipes de vodu.
Nesse festim grandguignolesco, pretensamente erótico, transgressivo e sardônico, o nojo é o limite. Sem Tom Cruise, talvez estivesse amargando um fracasso de bilheteria. Cruise pode não ter o físico ideal para o papel –não é louro, nem alto, nem diabolicamente sensual–, mas sua "star quality" atrai multidões aos cinemas. E era disso que o produtor David Geffen mais precisava para lucrar com um projeto que lhe custou 17 anos de espera e US$ 60 milhões de orçamento.
Munido de uma peruca loura e sapatos-plataforma, Cruise ficou mais parecido com o Lestat original e, equiparação fundamental, da mesma altura de Pitt. Mas não houve jeito de torná-lo diabolicamente sensual como conseguiriam ser, sem maior esforço, Hutger Hauer, Daniel Day-Lewis e John Malkovich, as três preferências de Anne Rice, autora do livro que inspirou o filme.
Depois de assisti-lo, a escritora retratou-se publicamente de suas objeções iniciais à escalação de Cruise, limitando-se, porém, a elogiar a coragem do ator. É preciso mesmo muita cara-de-pau para fazer o que Cruise fez. Seu Lestat é de um ridículo atroz. Envolto em brocados e babadinhos, mais parece um nobre de escola de samba, conforme observou Geraldo Mayrink, na "Veja" desta semana.
E fala pelos cotovelos, quase sempre sobre as delícias e os tormentos da vida eterna. Lestat não carece apenas de sangue, mas sobretudo de um bom analista. O enrustido Louis resolve esse problema alugando o ouvido de um repórter, Malloy (Christian Slater, substituindo River Phoenix), com quem se encontra num hotel não por acaso localizado em San Francisco, a capital mundial dos gays.
A essa altura, até as mais desligadas fãs de Cruise já sabem que os três vampiros machos do filme (o terceiro, Armand, é interpretado por Antonio Banderas) são bichas. Mas não tão loucas e engraçadas como a que Roman Polanski enfiou (epa!) em "A Dança dos Vampiros", quase dez anos antes de Rice criar Lestat e sua corte. Pretensioso, Neil "Traídos Pelo Desejo" Jordan juntou os alhos da comédia macabra com os bugalhos do horror erótico. Não perdeu só para Polanski. Em matéria de erotismo, "Drácula", de Francis Coppola, também dá de goleada em "Entrevista Com o Vampiro".
A melhor passagem do filme é a sequência em que Louis descobre no cinema um alívio para uma de suas angústias existenciais. Doido para ver de novo o sol nascer e se pôr no horizonte –prazeres que sua vampirização por Lestat havia roubado– submete-se a uma overdose de auroras e crepúsculos cinematográficos. É uma bela homenagem à arte das sombras. E, sobretudo, a Murnau, o genial artífice de Nosferatu, o vampiro numero um da tela.

Texto Anterior: São Paulo terá lei estadual de incentivo à cultura
Próximo Texto: Monstro sofre drama humano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.