São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 1994
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Âncoras expostas

Mais importante do que qualquer juízo de valor sobre o deputado e senador eleito José Serra, sobre quem há uma virtual unanimidade como economista e político competente, é o fato de que o anúncio de sua escolha para o Planejamento introduz na agenda do futuro governo uma discussão fundamental.
Serra nunca escondeu suas reservas em relação à sobrevalorização do real na comparação com o dólar. Não é crítica periférica ao Plano Real. A estabilidade do câmbio, acoplada à redução das tarifas de importação (a chamada abertura da economia), compõe a âncora cambial, um dos principais instrumentos usados pelo governo para tentar manter baixa a inflação, depois da quebra da inércia inflacionária. Mas estabilidade não é sinônimo de sobrevalorização contínua.
Boa parte dos economistas parece estar de acordo com o fato de que a âncora cambial não dispensa outro tipo de âncora, o ajuste fiscal, de efeitos mais duradouros.
Ocorre que o inverso não é necessariamente verdadeiro. O ajuste fiscal, se bem feito, dispensa, sim, a âncora cambial. Mas a ninguém é dado ter ilusões a respeito do prazo necessário para que se faça um ajuste fiscal sólido.
Começa pelo fato de que, para obtê-lo, é preciso reformar a Constituição, um processo necessariamente demorado, dado o mecanismo imposto pela própria Carta para a aprovação de emendas.
No intervalo entre a situação atual e a situação ideal, a de um ajuste fiscal definitivo, a âncora cambial torna-se necessária, eventualmente vital. Mas os empresários industriais alegam que, se nesse intervalo prosseguir a política de sobrevalorização, ocorrerá uma desindustrialização de efeitos perversos e irreversíveis.
De alguma forma, o próprio presidente eleito reconhece esse risco. Em entrevista concedida domingo à Folha, em Miami, Fernando Henrique Cardoso alertava para os riscos de o país integrar-se ao mundo (para o que a abertura da economia é indispensável) ao custo de "desintegrar a indústria".
Esse é o debate de fundo que a indicação de Serra acaba por inserir na agenda. Como nem entre os economistas essa discussão está encerrada, o importante é que os setores organizados da sociedade se envolvam nela, no limite de suas possibilidades. Não é uma mera questão de política econômica. Está em jogo o desenho do país.

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