São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mudou o Natal, mudamos nós

JOSÉ SARNEY

O presidente Fernando Henrique fez uma opção muito do seu temperamento e agrado. Despediu-se do Senado despedindo-se da tribuna parlamentar, falando como senador e proclamando-se o bom parlamentar que sempre foi. Estava à vontade, não era uma fala do trono, eram idéias que deixava para reflexões do Congresso.
Falou de alguns pontos importantes, a serem realçadas a sua visão de humildade em relação aos fatos, a recusa formal à tentação messiânica, intrínseca à vida política brasileira.
Aqui sempre se deseja um salvador. Nas últimas eleições tivemos alguns velhos profetas, repetitivos da velha moda, nos apelos populistas, dogmáticos, raiventos, ressentidos e sobretudo arrogantes e autoritários na imposição de idéias, como se o mundo fosse dividido entre uns condenados ao inferno e outros escolhidos para a glória do céu.
Mostrou a sua visão da crise da democracia representativa, hoje confrontada por um avanço, bem mais democrático, da democracia participativa que se exerce em todos os segmentos organizados da sociedade civil.
O novo presidente, o velho senador, afirmou-se maduro a não buscar a concessão fácil da onda geral de bater na classe política. Ele sabe que, como em todas as classes, temos os bons, os médios e os dispensáveis.
É certa a visão de que a crise brasileira é do esgotamento do modelo intervencionista, da criação de um Estado milagreiro, empresário e paternalista, fórmula nutrida pela ideologia que atrasou a melhoria da qualidade de vida da humanidade neste século, na pregação de que a felicidade e a utopia da igualdade viriam pela implantação de sistemas políticos. Veio pela ciência e a técnica.
Está esgotado o modelo de substituição de importações, que teve seus resultados, mas hoje é anacrônico e inoperante. Vivemos num mundo cada vez mais interdependente, e nós não podemos postergar nossa participação competitiva.
Há muito por fazer. A economia de mercado é o objetivo na área econômica. A democracia liberal, na área política. Mas resta a dimensão espiritual, a solidariedade. O desenvolvimento social, para que se complete a atividade política em favor de um mundo melhor.
O senador Fernando Henrique está pronto para lidar com as idéias e realista para viver a prática. Afinal, ele leva a bagagem de sua longa vivência parlamentar, a experiência dos problemas no Ministério das Relações Exteriores, olhando para o mundo, e no Ministério da Fazenda, vendo o Brasil e como todos nós estamos cansados das crises. Há um esgotamento do pessimismo...
É assim com otimismo que vejo o novo período governamental. Mudou o Natal e mudamos nós. Mas é sempre bom ter presente a sentença de Summer Wells: "A prova do poder é como o pudim: só se sabe provando".

Texto Anterior: Alfaces e telefones
Próximo Texto: ATENÇÃO; NA ALEGRIA E NA DOR; OLHANDO PARA TRÁS; APETITE PELO PODER
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.