São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 1994 |
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Tempestade à vista
COSETTE ALVES A imprensa não inventa, apenas reproduz. Não sendo criativa, às vezes exagera quando relata a extravagância dos políticos. No caso da escolha dos ministros, ela tem sido impecável. E, apesar de os jornalistas estarem sendo tentados pelos fatos, resistem ao exagero.A escolha da equipe econômica pelo presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan para a Fazenda e Pérsio Arida para o Banco Central, gerou certa tensão pela demora dos convidados darem o sim. Mas foi um raro e auspicioso começo. Uma tensão alvissareira. Homens que refletem antes de aceitar cargos de poder são extremamente qualificados para exercê-los. Demonstram falta de avidez, um certo desprezo pela notoriedade e consciência de sua responsabilidade com a nação. O episódio da escolha do futuro ministro do Planejamento, José Serra, já é confuso. Política econômica e inflação não são questões lógicas ou apenas de instrumentos fiscais e monetários. São também questões psicológicas e, portanto, de expectativas. As notícias nos jornais falam há muito tempo das divergências entre Serra e a equipe atual. Diferenças não pessoais, mas com relação ao plano. O dilema shakespeariano é vivido na economia. Âncora cambial ou não? Eis a questão. Discordâncias são saudáveis, mas essa me parece fundamental pois se refere ao coração do plano. O otimismo atual do mercado é produto da clara definição de rumos do presidente eleito: sabe para onde quer ir e mantém os seus auxiliares para dar continuidade ao processo de estabilização que o elegeu. A competência do futuro ministro do Planejamento (como disse Gilberto Dimenstein em lúcido artigo, "Serra vai ajudar?", edição de ontem) é indiscutível. Mas o problema não me parece só esse. Com a escolha de Serra surgem várias hipóteses. Vou apenas mencionar três: 1) O presidente eleito, vencido pela pressão e guerra dos interesses, coloca na equipe um nome de peso, José Serra, capaz de ajudá-lo a decidir quanto aos destinos do plano. Mau! Levanta dúvidas. Será que o plano não é o que aparenta e o presidente mudou de idéia? 2) O homem Fernando Henrique Cardoso não é exceção, é humano. Sente que precisa prestigiar o competente amigo senador José Serra. Perde o sono e, para apaziguar sua consciência, nomeia-o ministro do Planejamento. Mau! Consequência: tira o nosso sono e provavelmente o do senador José Serra, que nessas alturas vira o grande culpado, o causador da crise. 3) É o estilo presidencial de Fernando Henrique vindo à tona. É preciso dividir para governar (Maquiavel). Mau! Dividir o quê? Inseguranças e dúvidas? Será que não se consegue viver sem surpresas e que políticos têm hábitos imutáveis? Antes de assumirem, ministros já são prevenidos que "divergências serão punidas com demissão". No momento não se tem à disposição bodes expiatórios. O presidente Itamar, o PFL, o PMDB e o PT estão no mais absoluto silêncio. O ministro Ciro Gomes fala abertamente à nação o que pensa. Por falta de bodes expiatórios o senador José Serra me parece ser um forte candidato. Para Serra será a vitória de Pirro. Mas o que há de fato? Os tucanos estão agitados, batendo os bicos nos seus ninhos e com a plumagem eriçada. A imprensa, com tranquilidade, relata. Seria prudente que a trama desse roteiro realista chegasse logo ao fim, pois corre o risco de atingir e com "um tiro só no coração" as nossas expectativas e o Plano Real. Não faço parte do serviço de meteorologia. É verão e a seca ainda é grande. Já existem prenúncios de chuvas fortes, chuvas de pedras. Podem ser sinais de alerta. A lavoura e a colheita seriam prejudicadas. Tempestades destroem as flores. É uma pena. Próximo Texto: O grande desafio da globalização Índice |
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