São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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O grande desafio da globalização

GILBERTO DUPAS

Ao contrário do que acham alguns, a globalização da economia é apenas o começo de uma nova era exigente e desafiadora.
Têm aparecido visões controvertidas sobre os desdobramentos políticos e sociais do capitalismo vencedor. A economia de mercado, agressiva e pragmática, ocupou todo o espaço das alternativas, tendo de assumir sozinha a responsabilidade pelas incertezas do futuro. O precioso terreno da utopia, temporariamente vazio, por enquanto não pode ajudar.
Por algum tempo, algumas nuvens escuras turvaram o céu da vitória. O alto custo inicial da unificação alemã e a arrastada recuperação da economia capitalista somaram-se à surpresa do desemprego estrutural. Alguns teóricos neomarxistas chegaram a enxergá-las como prova de grave crise cíclica.
Ao contrário, hoje percebe-se a marcha de uma forte expansão da economia capitalista mundial. Como prova, a forte recuperação no preço das commodities, provocada pela ampla retomada do crescimento das economias centrais.
Há, porém, uma alteração importante na geometria do poder. Os blocos dividem a nova hegemonia econômica. Os EUA, com o Nafta, respondem por mais de US$ 6 bilhões de PNB. O Japão e os NICs, por US$ 4 bilhões. E o Mercado Comum Europeu por outros US$ 6 bilhões.
Na área das potências emergentes, Cingapura, Taiwan e Hong Kong têm o dobro de reservas externas e seis vezes mais investimentos diretos na Ásia que o Japão. Operam um capitalismo pujante e exoticamente articulado com interesses estratégicos da China continental. O comércio internacional da Grande China já é equivalente ao do Japão e da Alemanha. Estará na Ásia, pois, o fulcro dinâmico da economia mundial no início do século 21.
Outra novidade é o forte comprometimento dos governos com as estratégias das grandes corporações. A tendência à concentração industrial interfere cada vez mais com a autonomia dos Estados nacionais. As cinco maiores corporações industriais norte-americanas faturam US$ 460 bilhões, um número semelhante ao PIB brasileiro. Se juntarmos as outras cinco que, com elas, constituem as dez maiores empresas do mundo, teremos US$ 770 bilhões, parecidos com o PIB de Brasil, México e Argentina somados.
As grandes nações estão cada vez mais a serviço do comércio e dos interesses industriais de suas corporações. De refrigerantes, sorvetes e sanduíches até automóveis, aviões e computadores, os produtos tendem a ser globais. As fronteiras nacionais ficaram mais frágeis e o jogo da competição internacional é pesado, competente e inevitável.
Nesse contexto, o conceito de "produção local" passa a ter prioridade sobre o de "empresa nacional". Interessa ao Estado moderno maximizar a produção de bens e serviços no país, gerando empregos e crescimento econômico. A origem do capital não importa tanto. O que se pede do governo é que tenha competência para remover os obstáculos à concorrência e à competitividade sistêmica (impostos excessivos, serviços ruins, baixa qualificação da mão-de-obra etc.), e que se equipe para envolver-se pesadamente na defesa dos interesses das empresas aqui instaladas, sempre que eles coincidam com as prioridades nacionais de crescimento e emprego.
Abrir a economia é necessário e urgente. Torna-se indispensável, porém, saber operar políticas eficazes de antidumping, anti-subsídios e salvaguardas para ter em mãos armas semelhantes a de seus concorrentes.
Quanto à acirrada polêmica sobre revolução tecnológica e desemprego estrutural, é evidente que a capacidade de acumulação do capitalismo moderno repousa no trinômio inovação/qualificação/produtividade. A tecnologia continuará a se desenvolver por saltos qualitativos, gerando mais automação e rápida obsolescência.
Nas telecomunicações, a substituição de sistemas analógicos por digitais permite uma ampliação instantânea da capacidade de transmissão da ordem de dez vezes. E nos automóveis médios, entre 1988 e 1998, a indústria reduzirá o tempo de montagem de 39 para 19 horas e os meses para desenvolvimento de um novo projeto de 72 para 37.
Mas há outras mudanças muito relevantes. O conteúdo de matéria-prima e energia no produto típico da década de 20, o automóvel, era de 60% do seu custo. O produto da nossa década, o microship, tem apenas 2%. Cabos de cobre com 80% estão sendo substituídos por fibra ótica com 10%. Em 20 anos o conteúdo de matéria-prima e energia da indústria japonesa caiu à metade. A nova energia chama-se informação. Seu conteúdo é o conhecimento.
Essas tendências exigem um forte esforço de adaptação das sociedades modernas. Os salários dos trabalhadores qualificados continuarão a crescer e a garantir a dinâmica da acumulação capitalista. Mas será preciso enorme atenção à geração de empregos de baixa qualificação, em nível compatível com a demanda social.
Não há como resistir à modernização tecnológica e à globalização dos mercados. É um caminho inexorável. No caso das economias perféricas, as novas tecnologias contaminam também os setores tradicionais, como calçados e têxteis. A automação passa a ser condição para competir.
Por essa razão é essencial criar competência para ampliar ao máximo os investimentos industriais e atrair capitais produtivos internacionais que garantam a maior taxa possível de expansão da economia, com o máximo de empregos. Isso exige uma política industrial ativa, que defina prioridades e garanta padrão de financiamento adequado.
O crescimento econômico alivia tensões e cria soluções. Para garanti-lo, é essencial manter a política de estabilização, sustentada por um ajuste fiscal simultâneo à profunda reforma do Estado que permita reduzir desperdícios e aumentar eficiência nos setores prioritários (saúde, educação, segurança). A privatização agressiva e criteriosa terá de garantir queda de tarifas e liberação de poupanças públicas.
O Estado brasileiro precisará, porém, estar preparado para operar com competência amplas medidas compensatórias e planos sociais de emergência que atenuem o desemprego estrutural na transição para o crescimento auto-sustentado.
São essas as exigências e os desafios da globalização como alavanca para uma nova era. Se alguém duvida, que prove ter uma alternativa.

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