São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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'O Espírito' ganha gibi exclusivamente seu

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os aficionados dos quadrinhos estão em festa. Nas bancas, mais uma, ou melhor, três aventuras de Denny Colt, vulgo "O Espírito" (The Spirit), um dos mais cultuados heróis da chamada idade de ouro dos "comics". Ressuscitado pela revista "General", com histórias que datam de 1946 ("A Lenda"), 1947 ("Procura-se") e 1948 ("A Última Rodada"), O Espírito terá um gibi exclusivamente seu.
Mais chique ainda foi sua recente "reentrée" nos EUA: a bordo de um "cybergibi". Ou seja, em CD-Rom. Título: "Comic Book Confidential". Um lançamento da Voyager.
Misto de X-9 com O Santo, o detetive criado em 1939 por Will Eisner, 77, revolucionou os quadrinhos sob vários aspectos. Primeiro, por se tratar de um herói atípico (sem uniforme, engraçado, autogozador), aparentemente saído do mundo dos mortos (seus inimigos o acreditavam debaixo de sete palmos de terra no cemitério de Wildwood). Segundo, porque Eisner desenhava suas peripécias com extraordinário senso de humor e com uma sofisticação gráfica comparável ao "noir" expressionista de Fritz Lang e Orson Welles.
Lançado na edição dominical do "Record Philadelphia" e, quase que simultaneamente, em jornais brasileiros, O Espírito fez de seu criador um mito dos quadrinhos. Há tempos morando na Flórida, Eisner –também famoso por ter inventado o gibi (antes de 1937, os quadrinhos só saíam em tiras nos jornais) e as "graphic novels" (ou gibis metidos a besta)– falou à Folha, por telefone, sobre O Espírito e o que dele resultou.
Folha - É verdade que o sr. se sente insultado quando fazem comparações de "O Espírito" com o cinema?
Will Eisner - Insultado propriamente não. Mas nunca fui entusiasta do cinema. Minhas maiores influências foram literárias. Aprendi diálogos lendo Conan Doyle.
Folha - Mas é evidente a influência do expressionismo alemão em seus quadrinhos. Certos desenhos lembram os filmes de Fritz Lang.
Eisner - Também dizem que Orson Welles foi influenciado por meu desenho. Ele próprio admitiu ser fã das histórias de O Espírito. Assim como William Friedkin, que me disse ter dirigido algumas cenas de "Operação França" pensando nelas.
Folha - Friedkin anunciou uma adaptação de "O Espírito" ao cinema, duas décadas atrás, que afinal não se concretizou. Quando será que Denny Colt chegará finalmente às telas?
Eisner - Por coincidência, acabei de receber uma cópia do primeiro tratamento de uma adaptação ao cinema das aventuras de O Espírito. Quem vai produzir são os mesmos caras que bancaram "Batman". Há dez anos, a Warner me sondou sobre um projeto, que depois gorou. Não faz muito tempo planejaram uma série de TV, cujo piloto, aliás, não era de se jogar fora, mas a ABC não pôde colocá-lo no ar por falta de patrocinadores.
Folha - Além de Conan Doyle, que outros escritores o influenciaram?
Eisner - Sobretudo os europeus. Maupassant, Zola, Dostoievski. Entre os americanos, destaco alguns contistas como O. Henry, Ambrose Bierce, Ring Lardner.
Folha - O sr. destacaria algum desenhista de quadrinhos que tenha sido de fundamental importância para a sua formação?
Eisner - Elzie Segar, o criador de Popeye. Aprendi com ele a desenhar personagens em movimento.
Folha - Em 1937, o sr. inventou o gibi e, em 1974, a "graphic novel". Que nova idéia o sr. nos reservou para a década de 90?
Eisner - Continuo produzindo "graphic novels". Terminei uma há poucos dias, com o título de "Propsie Avenue". É sobre a vida, morte e ressurreição de um bairro. Sua inspiração foi a zona sul do Bronx (Nova York), que entre 1976 e 1980 quase virou uma favela e depois se ergueu graças à força de vontade dos seus moradores. Sai em abril nos EUA, mas antes na Europa, creio que em fevereiro, a tempo de pegar o Festival de Angouleme.
Folha - O sr. tem algum projeto fora da área das "graphic novels"?
Eisner - Por enquanto, não. As "graphic novels" me tomam muito tempo, dão uma trabalheira dos diabos. Felizmente ainda sou muito jovem e tempo é o que não me falta.

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