São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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Falta é oposição

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Confesso que não sou daqueles que se horrorizam à simples menção da palavra "loteamento" para designar o processo de composição de um ministério.
Governos, quaisquer que sejam, precisam de maioria no Congresso para poderem administrar com maior tranquilidade. Quando não a obtêm nas urnas, cumpre-lhes negociar com outras forças partidárias para tentar chegar a ela.
A isso se dá o nome de "loteamento", com forte carga pejorativa. Convenhamos que imaginar que tal negociação passe, única e exclusivamente, pelos altos interesses da pátria é desconhecer o gênero humano.
Os interesses eleitorais pesam, nesse tipo de arranjo, em qualquer lugar do mundo. Não é uma exclusividade brasileira.
O que complica a coisa, por aqui, é que o arranjo fica restrito unicamente aos prováveis bônus eleitorais (para não mencionar os de outra natureza, capituláveis no Código Penal ou em outros Códigos).
Há poucos exemplos, se é que existe algum, de adesão a um programa, a não ser na retórica dos que convidam e dos que aceitam. Veja-se o caso do PFL. Quando aderiu à candidatura Fernando Henrique Cardoso, esta nem sequer dispunha de um programa, elaborado depois e, mesmo assim, apenas nas suas linhas gerais.
Combinou-se apenas o fato de o PFL não ter candidato presidenciável viável e de FHC precisar da adesão por vários motivos que não é o caso de exumar aqui.
Veja-se o caso do PMDB. Trata-se de um partido que nem sequer sabe o que é, dividido que está entre várias lideranças, que se bombardeiam mutuamente. Se não sabe o que é, a que diabo de programa poderia aderir?
É por isso que, no Brasil, flutua sempre no ar, cada vez que se compõe um gabinete, o sabor de "loteamento". E o pior é que quase todos saem insatisfeitos do jogo (há sempre mais apetites do que cargos disponíveis), mas ninguém vai mesmo para a oposição.
Talvez o problema maior do Brasil não seja a falta de governo, mas a falta de oposição, exceto a de sempre.

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