São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994
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Recursos hídricos

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Cinco anos atrás, enfrentei um problema e desconfiei que tinha todos os motivos para me considerar na marca do pênalti.
O que viesse depois seria lucro, mas dei um tempo para a avaliação de uma vida que, apesar de desimportante, era a única que tinha.
Nesse balanço interior verifiquei que havia aprendido alguma coisa e que nada mais precisaria aprender. Pelo menos, não faria mais força para isso –se me sobrasse alguma força.
Não perdi por esperar. Verdade que levei cinco anos para me convencer de que realmente aprendera alguma coisa. Precisei da nova era que se abre para o Brasil, via FHC. Pois se tivesse ido para a pior, cinco anos atrás, teria passado meus dias sobre a face da Terra sem saber que havia ou haveria um Ministério de Recursos Hídricos.
Nem suspeitar de tal e tanto eu poderia. Já ouvira falar num Ministério das Endemias Rurais –embora nunca me fosse mencionado o equivalente urbano, ou seja, o Ministério das Endemias Urbanas.
Essa dos Recursos Hídricos me pegou no contrapé. No tempo de Machado de Assis havia, no Ministério da Viação, no qual o escritor exercia suas funções de burocrata, um Departamento de Águas. Tive um tio-avô que foi diretor de um sucessor desse departamento, que com o tempo inchara e passara a ser Departamento de Águas e Esgotos, DAE para os mais íntimos.
Águas e esgotos são expressões politicamente incorretas. No limiar da Idade de Ouro que nos aguarda, o certo é apelar para os recursos hídricos, que incluem rios, lagos, lagoas, fontes, cascatas, cataratas e, em situações extremas, enchentes, inundações e maremotos.
Será um órgão importante, um ex-ministro da Fazenda já foi indicado, não se trata de uma repartição ornamental, como a Cultura.
Levanto um problema para o futuro titular: a Lagoa aqui em frente será um recurso hídrico? Passará à esfera federal ou continuará municipal? Se a Lagoa se tornar federal –como a Polícia, a Receita e o Distrito–, saberei que é o momento de mudar-me para Moça Bonita, colocando-me sob a proteção do Castor de Andrade.

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