São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Disputa pela hegemonia política e econômica é maior obstáculo

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

A disputa pela hegemonia política e econômica na América Latina está por trás dos últimos obstáculos que impedem a concretização do Mercosul.
Embora o desejo dos países-membros seja a integração progressiva da região, nenhum quer correr o risco de perder o que já conseguiu. Quem exporta determinado produto não imagina ver sair pela janela um mercado garantido.
Trata-se de uma questão estratégica e secular: não há país com despreendimento suficiente para abrir mão das suas conquistas nacionais em nome da integração regional. Por isso, o acordo que passa a vigorar em 1º de janeiro abre inúmeras exceções. O Brasil, por exemplo, tem uma lista com 233 produtos que continuarão a ter tarifas diferenciadas das cobradas pelos demais países.
Por serem os donos das duas maiores economias, Brasil e Argentina são também os dois protagonistas na batalha pela hegemonia política e econômica na região.
O medo de perder o controle sobre determinados setores faz com que esses dois países continuem exigindo privilégios de parte a parte. O setor automotivo, principal celeuma que precedeu a conclusão do acordo na semana passada, é apenas um dentre muitos pontos de divergência.
O Brasil, por exemplo, exige autorização prévia para a importação de máquinas de franquear correspondência e matrizes para estampar selos.
A Argentina proíbe a exportação de obras de arte originais e outras peças de interesse histórico ou arqueológico. Os argentinos também exigem autorização prévia para a importação de armas e materiais explosivos.
Por conta das diferenças econômicas, fica também sem solução uma maior integração do ponto de vista político. Esse seria o caminho natural de uma região que pretende estar inteiramente integrada no futuro. Não há previsão de uma unificação total dos países, em todos os níveis.
Diferentemente da União Européia (UE), os países integrantes do Mercosul rejeitaram a idéia de dar aos órgãos dirigentes do acordo qualquer poder supranacional. Todas as decisões do Mercosul serão sempre no âmbito nacional. Terão que ser adotadas por cada um dos países separadamente. Os diversos conselhos e grupos formados não podem impor prazos ou regras aos países membros.
Um estudo realizado pela seção brasileira do Conselho de Empresários da América Latina (Ceal) concluiu que houve progressos. Por exemplo, apesar de a união não ser total em 1º de janeiro, o prazo está sendo cumprido para que o acordo entre em vigor.
As dificuldades ainda remanescentes são sempre por causa de Brasil e Argentina, que não querem ficar relegados a um segundo plano no continente. Por isso os progressos são lentos quando se discute a integração tarifária total. Há uma busca constante de equanimidade nas relações.
O estudo do Ceal, que é presidido pelo empresário brasileiro Roberto Teixeira da Costa, afirma que a questão mais "espinhosa" no momento é a da "defesa da concorrência".
A única concordância é que uma regra antitruste tradicional deve ser adotada. Em seguida, os países divergem. A Argentina e o Uruguai preferem regras explícitas para três coisas: 1) medidas sobre anti-dumping e direitos compensatórios, em caso de subsídios; 2) tratamento diferenciado para monopólios estatais; 3) disciplina para evitar discriminação dentro do Mercosul.
Com uma economia muito maior que as de seus parceiros, o Brasil responde à Argentina que a prática de dumping não pode existir dentro de um mercado único. A discussão do assunto já seria um erro conceitual. Qualquer regra a respeito, para os negociadores brasileiros, deveria estar embutida no conceito ou eventual legislação de antitruste.
Essas discussões tendem a se cristalizar apenas quando as economias dos quatro países do Mercosul atingirem uma estabilidade perene. Só então a medição de forças entre os membros desse consórcio econômico ficará mais fácil. E a integração total possível.

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