São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Aidéticos terminais vendem seguros de vida

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Um tipo macabro de negócio, cada vez mais popular nos Estados Unidos, começa a despertar o interesse de brasileiros.
Trata-se da compra e venda de apólices de seguro de vida de doentes com Aids, em estado terminal, antes que eles morram. Cerca de 30 mil pessoas morreram de Aids nos EUA em 1993.
Funciona assim:
1) O dono de um seguro de vida no valor de US$ 100 mil descobre que está com Aids.
2) Ele procura uma seguradora especializada em comprar apólices de seguro de vida.
3) Um médico indicado pela empresa avalia quanto tempo de vida resta ao cliente.
4) Com base nessa estimativa, a empresa compra a apólice do cliente por algo entre 70% e 50% do valor do seguro.
5) Quando o dono original da apólice morre, a empresa recebe na íntegra o valor da indenização.
Pessoas com estimativa de sobrevida inferior a seis meses conseguem vender o seguro por 70% do seu valor. Esse índice cai para 65% quando a estimativa fica entre 6 e 12 meses de vida. E assim por diante.
A idéia por trás desse comércio é que o dono do seguro, uma pessoa doente, precisa mais do valor do seguro em vida do que o seu beneficiário após a sua morte.
Para compreender esta operação, é preciso ter em mente que o seguro de vida, nos EUA, mais que um seguro tradicional, é um bem de valor negociável, uma espécie de commoditie, que pode passar de mão em mão.
No Brasil, não é possível realizar negócios desse tipo. Aqui, o seguro de vida ainda é apenas um contrato no qual o dono da apólice indica quem será beneficiado com o valor segurado após a sua morte.
O máximo que o titular da apólice pode fazer é alterar o beneficiário do seguro –não pode vendê-lo para ninguém.
O comércio de seguro de vida nos EUA começou timidamente há cinco anos. Em 1994, estima-se que cerca de 4.000 seguros de vida sejam vendidos no país, movimentando perto de US$ 300 milhões.
A venda de seguros de vida conta com o apoio explícito da comunidade homossexual.
"Primeiro, lutamos para que fosse possível haver esse tipo de comércio. Hoje, lutamos pela sua regulamentação", disse à Folha, por telefone, Daniel Wolf, um dos diretores da Gay Man Health Crisis, uma das mais importantes ONGs norte-americanas de defesa dos homossexuais.
Ainda não existe uma norma clara, por exemplo, sobre a possibilidade de revenda do seguro.
Uma empresa compra a apólice de um aidético de US$ 100 mil por US$ 60 mil e a revende a uma segunda empresa por US$ 70 mil. O dono original do seguro tem direito a parte do lucro? Falta uma lei que defina isto.
As empresas compradoras de seguro hoje miram um novo mercado: os cerca de 500 mil norte-americanos que morrem anualmente de câncer.

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