São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Família tem problemas que o direito não resolve

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Se o leitor comparar as normas de direito de família no Código Civil e na Constituição, descobrirá o vácuo existente entre umas e outras. Os dispositivos constitucionais de 1988 têm pouca intimidade com os do Código de 1917 e mesmo com a evolução de 1962, após o Estatuto da Mulher Casada. Muitos dos dispositivos de 1917 estão revogados, mas a lei que os substituiu não superou os problemas que a entidade familiar oferece no Brasil (assim como no mundo) contemporâneo. Lembro o exemplo extremo dos homicídios cometidos por jovens contra parentes próximos, dramatizando a atualidade do tema.
A deficiência das soluções jurídicas tem, em relação à família, causas externas e mistas. O desenraizamento da população (mais da metade dos brasileiros mudou de município nos últimos anos), a transferência das populações do campo para a cidade (em quarenta anos a população agrícola passou de 80% para 30% dos brasileiros) são causas externas. Entre as mistas está a absorção da mulher pelo mercado de trabalho. Ao adquirir independência econômica –e ao mesmo tempo, se afastar do lar–, a mulher assumiu novo papel, em que cuidar da casa e dos filhos foi tarefa superada pela necessidade de melhorar o orçamento com seu trabalho.
As causas próprias da família são poucas, mas a principal se relaciona com o abandono do casamento civil. A evolução constitucional, que ficou emperrada durante anos até admitir o divórcio, saltou quilômetros à frente ao aceitar a união estável como unidade familiar. O matrimônio ainda é uma instituição de primeira grandeza. Assegura direitos. Afirma obrigações. Contudo, caiu três vezes de moda. A união de não-casados deixou de ser socialmente reprovada. Os casados passaram a encarar com irresponsabilidade os votos de suportar sua união por toda a vida. A oposição religiosa ao concubinato perdeu força.
Outra causa própria da família se relaciona com os filhos. O número deles diminuiu. Onde antes eram comuns cinco ou mais crianças, nascidas no leito conjugal, passou-se a uma só, ou duas. As mulheres pobres continuaram a ter maior número de partos do que as abonadas, mas tanto aquelas quanto essas passaram também a ter filhos de mais de um homem, companheiro, marido (ou não).
A escola era, antes, o centro de estudos, da informação, cabendo à mãe, no seio da família, o principal trabalho de formação. Hoje se espera que a escola (desde a creche e, em alguns casos, até a universidade) represente o papel formador, no relacionamento coletivizado e heterogêneo –mesmo nas escolas frequentadas por alunos de forte poder econômico– das classes, dos jogos, dos acampamentos, das visitas em conjunto. Institucionalizou-se a "tia" como a fonte precípua da formação. "Tia" (entre aspas) e não mãe. A poeira do mundo transformado ainda não assentou para permitir a avaliação justa das mudanças.
Desse quadro resulta a conclusão: o direito não consegue resolver os problemas da família contemporânea, nem mesmo com o texto constitucional que facilita o matrimônio; afirma a paternidade responsável; dá predominância ao direito do infante e do adolescente, enquanto seres dependentes e enquanto filhos.
A conclusão leva a um subproduto; cada um de nós é responsável pela solução, avaliando (ou reavaliando) o próprio papel em face da família; sozinho ou dentro de seu grupo, independente da ação governamental. Porque desta há pouco o que esperar.

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