São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994 |
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Violência, governabilidade e democracia
ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ; DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR; ARY CASAGRANDE ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ, DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR; ARY CASAGRANDEHá algum tempo, a intensificação da repressão vem sendo apontada como necessária para acabar com a criminalidade. Captando equivocada legitimidade através da dramatização da violência –cujo conceito é reduzido ideologicamente a não parecer mais que a criminalidade comum–, grupos que vêem no Direito Penal solução para todas as mazelas divulgam –sutil ou explicitamente– que a paz e a segurança do cidadão dependem de desprezar as garantias individuais, como se elas não fossem dadas a todos os homens, mas, apenas aos "bandidos". O apontamento de algumas pessoas como criminosas –no presente os "chefes" do tráfico de drogas dos morros cariocas– tem como consequência a ocultação da lógica e da razão dos sistemas incentivadores de suas condutas. Este processo de exacerbação do desejo punitivo, mais intensamente localizado no Rio de Janeiro, culminou no espaço aberto para uma intervenção militar, supostamente destinada a devolver a segurança à população. Admitiu-se, absurdamente, o desvio das funções que a Constituição da República atribui às Forças Armadas. Mas a tolerância com o desrespeito à Lei Maior avançou muito mais: restrições ao direito de locomoção, revistas violadoras da intimidade, até mesmo em crianças, exigências de identificação e prisões arbitrárias por falta de documentos ou para averiguações tornaram-se rotina. Voltando-se para o cerco e a ocupação das favelas cariocas, conquistadas como "territórios inimigos", a repressão militarizada sequer disfarça a identificação das classes subalternizadas como perigosas, feita de forma mais sutil através do normal funcionamento do sistema penal. Há tempos se observam distorções no papel reservado ao Poder Judiciário. Passou-se a pretender atribuir a juízes tarefas de investigação e persecução, que são do Ministério Público. No Rio, tal situação adquiriu contornos mais perigosos: magistrados designados em detrimento do princípio do juiz natural, foram postos à disposição das Forças Armadas, em designações que se noticiam destinadas a expedir mandados de busca ou de prisão –às vezes genéricos, como noticiou a Folha em 13/12–, muito mais que zelar pela preservação dos direitos fundamentais do cidadão. Nada justifica a quebra de garantias fundamentais, num verdadeiro complô das instituições públicas contra o povo. Mais que nunca, é importante a presença de juízes e tribunais equilibrados, preocupados não com o atendimento dos desejos punitivos de um alardeado clamor público, mas ciosos em manter equidistância das partes em conflito e de exercer função primordial do Judiciário, que o legitima na democracia: a aptidão cotidiana à tutela dos direitos fundamentais do homem. Aceitar o contrário –como parece ocorrer no Rio de hoje– significa concordar com a destruição dos próprios fundamentos do estado democrático de direito. ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ, 42, DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR, 39, e ARY CASAGRANDE, 59, são juízes de direito em São Paulo e membros do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia. Texto Anterior: Código da ONU rege a revista Próximo Texto: Família tem problemas que o direito não resolve Índice |
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