São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Profissões-robô se adaptam ao estilo do país

JOSÉ VICENTE BERNARDO

Da Reportagem Local Profissionais tradicionalmente obrigados a atender clientes como se fossem robôs estão ganhando espaço para se adaptar ao informal estilo brasileiro.
Operadores de telemarketing, atendentes de fast foods e de serviços telefônicos estão abandonando a decoreba para dar um tratamento mais "caloroso" ao público.
Trazido principalmente dos EUA, o atendimento ultrapadronizado surgiu da necessidade de satisfazer um número crescente de pessoas no menor tempo possível.
A difusão do conceito de qualidade total ajudou a reforçar a idéia de que profissionais que tivessem contato direto com o público deveriam adotar procedimentos passíveis de controle e medição.
Esse controle seria viável, concluíram as empresas, através da obediência a um script que previsse todos os diálogos possíveis entre atendente e cliente.
"Esqueci"
A rede Pizza Hut chegou ao Brasil, há cinco anos, trazendo esse script debaixo do braço.
"Simplesmente traduzimos os manuais e começamos o treinamento", lembra Patrícia Medeiros Conchon, 23, supervisora de treinamento da rede em São Paulo. Os candidatos tinham três dias para decorar o texto.
"A capacidade de improvisação dos candidatos, no início, era muito baixa. Os clientes se queixavam de que o tratamento era frio, robotizado", diz Patrícia.
A "deixa" para iniciar o falatório era um "não" à pergunta "Você conhece a Pizza Hut?". "Na primeira vez em que fui atender um cliente, gelei quando ele disse que não conhecia. Embolei tudo e ainda derrubei a pizza em cima do coitado", diz a supervisora.
Ela lembra ainda que uma atendente, ao abordar um cliente indeciso, desembestou a dizer como era o sistema da casa, quais os sabores de pizza, como eram as massas. De repente, parou no meio de uma frase e exclamou: "Ih, esqueci o texto".
Para evitar vexames como esse, a empresa procura agora candidatos com maior desenvoltura e capacidade de verbalização. Além disso, diz Patrícia, hoje o treinamento tenta reforçar essas características, deixando de lado a simples repetição de frases feitas.
"O cliente brasileiro é diferente do americano", diz Orlando Lopes Júnior, 39, gerente de recursos humanos da rede de fast food KFC, de origem norte-americana.
Ele lembra que a KFC também trouxe o manual de procedimentos dos EUA, mas ele não pôde ser aplicado "cegamente" no Brasil.
"Houve reclamações de que o atendimento era muito mecanizado, de que havia atendentes que descreviam os pratos sem olhar para o cliente", diz.
Qualidade
"Para ter e manter qualidade é preciso ter um padrão. O script é o nosso padrão", diz Ernani Luis Ribeiro, 46, diretor do Unibanco 30 Horas, serviço de atendimento por telefone criado em 91.
Só assim, diz ele, é possível ser eficiente e ao mesmo tempo ter parâmetros para orientar o funcionário. "Consigo medir 28 itens –de erros de português a entonação."
Mas o banco espera que esses profissionais tenham "algo mais" em relação ao atendimento eletrônico por gravação, também disponível por telefone.
"Os candidatos não precisam ter experiência, mas devem estar cursando faculdade. Os selecionados passam por 30 dias de treinamento, que inclui orientação comportamental", diz Ribeiro.
O trabalho dessas pessoas, define Ribeiro, é uma mistura de linha de montagem com teatro.

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