São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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De Rio Branco a San Tiago

JOÃO BATISTA NATALI
DE RIO BRANCO A SAN TIAGO

Proclamada a República, o governo requisitou o palacete que pertencia ao conde de Itamaraty, ali instalou serviços da Presidência e só dez anos depois entregou o prédio à Secretaria das Relações Exteriores.
Foi só a partir de então (1899) que Itamaraty e diplomacia se tornaram sinônimos. A chancelaria não passava de uma pequena repartição com 27 funcionários.
Mas cresceu politicamente, e bastante, conforme o barão do Rio Branco (ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1012) deu a ela, na primeira década do século, uma competência funcional ainda hoje vista como exemplar no serviço público.
Rio Branco é considerado pela história diplomática como o catalisador do processo de profissionalização do "metier".
Ele no fundo herdou uma tradição bem mais antiga, pela qual as oligarquias do Império designavam profissionais bem capacitados para os assuntos do governo.
Um dado curioso: entre 1822 e 1889, foram 97 os ministros do Exterior, dos quais só 36 não ostentavam um título nobiliárquico.
Mesmo assim, com poucas exceções, eles diluíram a ênfase personalista em nome da conduta de uma política externa que seria "avant la lettre", própria a uma burocracia de tipo weberiano.
A partir de 1937, tornou-se regra o concurso para ingresso na carreira. Em 1948, o IBR (Instituto Rio Branco) se estruturou como instituição de formação específica. A regra do diplomata é a de se diluir como executor anônimo de políticas interpessoais.
Já no Império, João Mauricio Wanderley, o barão de Cotegipe, ou Miguel Calmon du Pin e Almeida, o marquês de Abrantes, imprimiram uma marca bem menos individualizada do que, já na República, ministros como Rio Branco (1902-1912), Oswaldo Aranha (1938-1944) ou San Tiago Dantas (1961-1963).
O Itamaraty foi no Império e na República Velha o braço externo de um sistema com um número reduzido de prioridades.
É pouco, mas foi trabalhoso. Quando do colapso dos entendimentos entre chancelarias, a Guerra do Paraguai custou aos derrotados a vida de 300 mil de seus 525 mil habitantes.
Rio Branco foi o arquiteto da última demarcação de fronteiras, feita quase a quente quando a Bolívia arrendou o Acre a um consórcio anglo-americano de investidores em borracha.
Ele foi o primeiro chefe da diplomacia brasileira a perceber que o mapa mundial das potências tinha nos Estados Unidos um novo protagonista.
Mesmo assim, sua "esfera de amizades internacionais" evitou que o chamado panamericanismo colocasse o Brasil na órbita dos crescentes interesses estratégicos de Washington.
Em escala menor, Oswaldo Aranha também foi um reconhecido "policy maker". Com o tenso final dos anos 30 na Europa, sua "equidistância pragmática" consistiu em obter o máximo dos Estados Unidos (a promessa de equipamentos para a siderurgia de Volta Redonda data de 1940) e batalhar para que Getúlio se afastasse das potências do Eixo.
A exemplo de Aranha, San Tiago Dantas não era um diplomata de carreira, mas seu nome está estreitamente ligado à introdução, no Itamaraty, de novas maneiras de agir e pensar.
A "política externa independente" não foi apenas um afastamento temperamental da tutela do Departamento do Estado. Significou colocar a diplomacia como um capítulo do desenvolvimento, o que pressupunha ampliar de maneira desideologizada o número de parceiros.

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