São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Os notáveis e o possível

Está praticamente terminada a montagem do ministério Fernando Henrique Cardoso. Mas é difícil fazer uma avaliação objetiva da qualidade média do gabinete porque esse tipo de julgamento parte sempre da comparação com os anteriores.
Ocorre que as características de dois dos presidentes civis que antecederam FHC (José Sarney e Itamar Franco) são tão diferentes que impedem a comparação. Sarney herdou um ministério de Tancredo Neves, primeiro, e tornou-se virtual refém do PMDB, depois.
Itamar Franco assumiu na sequência do inédito afastamento de um presidente (Fernando Collor), o que o obrigou, em certa medida, a compor uma equipe de emergência e para apenas a metade do mandato que lhe restava.
O único presidente que assumiu em condições políticas análogas às de FHC foi Collor. Se o parâmetro for esse, não pode restar dúvida de que o ministério composto pelo futuro presidente é superior.
Entre Zélia Cardoso de Mello e José Serra/Pedro Malan ou entre Bernardo Cabral e Nélson Jobim, a vantagem dos ministros de FHC sobre os de Collor é enorme.
É claro que sempre lhes resta passar pelo único teste que de fato conta, o da prática administrativa. A história, não só do Brasil, está carregada de exemplos de ministros cuja biografia era notável mas que se revelaram, no exercício do cargo, apenas medíocres.
A lista completa de nomes, em todo o caso, revela algumas características nítidas. FHC escolheu homens de sua confiança pessoal para vários cargos, como o estratégico Ministério das Comunicações, entregue a seu amigo pessoal Sérgio Motta. É um caso típico de personalidade que dificilmente seria chamada por qualquer outro presidente que não fosse o próprio FHC.
Há, ainda, figuras que combinam o fato de serem amigos do presidente eleito com o rótulo de "notáveis", personalidades destacadas em seus âmbitos de atuação e que, por isso mesmo, figuram sempre nas listas de ministeriáveis.
Emblemático, a respeito, é o caso, acima de tudo, de José Serra (Planejamento). Já Reinhold Stephanes (Previdência) e Adib Jatene (Saúde), que também merecem o rótulo de "notáveis", não são propriamente amigos de FHC. Foram chamados como especialistas nos assuntos que vão administrar.
Nesses dois casos específicos, como em alguns outros, FHC comportou-se como prometera durante a campanha eleitoral. Stephanes, por exemplo, foi escolhido não só porque pertence ao PFL, mas sobretudo porque, na visão do presidente eleito e de sua assessoria, é o homem certo para o lugar certo.
Mas há casos em que a promessa foi descumprida. Raimundo Brito (Minas e Energia) e Cícero Lucena (Secretaria de Integração Regional) entram na cota, respectivamente, do ex-governador Antônio Carlos Magalhães e do PMDB.
Brito, aliás, foi secretário de Transportes de ACM, mas não administrará a mesma área com FHC, evidência adicional de um arranjo meramente político. Lucena nem mesmo com enorme boa vontade poderia ser listado como "notável".
A alegação para esse tipo de composição política é a de que o governo vai precisar de sólida maioria no Congresso para aprovar as reformas constitucionais que considera necessárias para a estabilidade econômica e o crescimento.
É um raciocínio que tem sua lógica em países de sistemas partidários consistentes. No Brasil, como prova a história recente, há siglas que estão no governo, mas cujos parlamentares votam contra projetos do Executivo. O PMDB, aliás, tornou-se um especialista nesse paradoxo de ser governo e oposição ao mesmo tempo.
É óbvio que a história não precisa repetir-se sempre, mas a coincidência de a distribuição política dos cargos ter sido deixada para a fase final de montagem do ministério acabou legando um sabor amargo ao resultado final. Há, sim, "notáveis" no gabinete. Mas, no seu conjunto, parece mais o ministério do possível e não o proclamado ministério dos notáveis.

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