São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994
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Petistas apontam culpados por derrota

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um livro inédito, assinado pelo senador Eduardo Suplicy, Paulo Nogueira Batista Jr. e mais três economistas do PT, responsabiliza diretamente os assessores de Lula na área econômica pelo fiasco do partido na eleição deste ano.
Segundo o livro, que nesta semana começa a ser divulgado dentro e fora do PT com o espírito de um panfleto, o deputado Aloizio Mercadante e o grupo que o rodeava desinformaram Lula e o comando de campanha petista acerca do Plano Real. O equívoco, dizem os autores, nocauteou o petista.
Intitulado "Combate à Inflação, Plano Real e Campanha Eleitoral", o livro, com 80 páginas, também é assinado por Odilon Guedes, vereador do PT, Luiz Carlos Merege, diretor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, e João Machado, membro da Executiva Nacional do PT.
Além de Mercadante, o livro faz outra vítima. A economista e deputada eleita pelo PT do Rio Maria da Conceição Tavares é incluída ao lado do vice de Lula entre as vozes influentes do partido que contribuíram para a análise equivocada do quadro econômico durante o processo eleitoral.
"Influentes economistas do PT, entre os quais os companheiros Maria da Conceição Tavares e Aloizio Mercadante, este último em reunião do Diretório Nacional no início de março, previram o colapso do programa econômico no curto prazo, contribuindo para que o partido demorasse a se dar conta do perigo que corria", escrevem os autores.
Apenas o primeiro texto, intitulado "Por que o Real nos derrotou?", foi escrito depois da eleição. É o mais enfático de todos. Os outros cinco artigos foram produzidos no decorrer da campanha, entre março e setembro.
Os autores alegam que seu objetivo ao lançar a obra não é acertar contas com ninguém. "Queremos preparar o PT para uma oposição mais fundamentada ao governo FHC", diz Nogueira Batista Jr.
As farpas, no entanto, já estão lançadas. O livro do quinteto petista diz, por exemplo, que "a coordenação de campanha adotou em julho, a partir da argumentação de Aloizio Mercadante, a avaliação de que os trabalhadores se desencantariam com o Real quando abrissem o holerite em agosto".
Mais adiante, citando o texto "O PT e o Plano Real", lançado no dia 1º de julho pela direção da campanha petista, os autores dizem: "Este documento evidencia, de forma constrangedora, as deficiências de diagnóstico que caracterizavam o debate econômico do partido".
O documento "constrangedor" em questão dizia, entre outras coisas, que "é dever do PT, cujo candidato desponta como virtual presidente do Brasil, denunciar a irresponsabilidade deste plano". O mentor intelectual do texto foi o deputado Aloizio Mercadante.
Os autores do livro-panfleto são os primeiros a admitir que, apesar de toda tradição de críticas e debates internos no PT, o texto que agora tornam público é inédito.
Nunca houve, segundo eles, uma crítica tão escancarada, feita sem eufemismos e citando cada um dos envolvidos na discussão econômica dentro do PT.
O impacto que o lançamento deve provocar dentro do PT nos próximos dias está diretamente ligado ao prestígio que Aloizio Mercadante adquiriu no decorrer da campanha, apesar da derrota de Lula.
Assumindo a candidatura à vice-presidência num momento delicado, Mercadante foi entronizado por muitos petistas e saiu da disputa eleitoral como candidato mais cotado para suceder Lula.
O livro não só evidencia os equívocos que Mercadante teria cometido na avaliação do Real, como o coloca em situação delicada como quadro político.
"Durante a campanha, Lula parecia, em vários momentos, mais lúcido que seus assessores", diz Nogueira Batista Jr. "Enquanto Mercadante dizia em março que o plano não chegaria até a eleição, Lula retrucava e insistia em chamar o Real de plano anti-Lula. Foi mais realista", diz o economista.
Lendo-se os textos em ordem cronológica, percebe-se que, mesmo em meio a muitas divergências em torno do alcance eleitoral do Real, já havia no mês de junho um grupo de economistas convencido de que o plano não iria desembocar naquele cenário catastrofista que Maria da Conecição e Mercadante insistiam em desenhar.
Em texto enviado à direção do PT em 14 de junho, e só agora tornado público, os autores faziam o seguinte diagnóstico: "As indicações de que dispomos até o momento apontam claramente para uma modificação dramática do quadro econômico após a introdução do Real em 1º de julho".
O texto prossegue prevendo que haveria: a) queda drástica das taxas de inflação em julho, agosto e setembro; b) recuperação parcial do poder de compra dos salários de setores que não têm acesso à moeda indexada; c) tendência ao aumento da demanda e dos níveis de produção, ainda que sem impacto sobre o nível de emprego".
Em resumo, tudo o que viria de fato a acontecer estava lá, nas mãos de Lula, a 15 dias da entrada do real em cena. Não faltou nem mesmo o diagnóstico sobre o efeito eleitoral da nova moeda.

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