São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 1994 |
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Um trombone ensinou Sinatra a cantar
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Elas comprovam uma afirmação aparentemente hiperbólica do cantor: "Dorsey me ensinou tudo o que sei sobre cantar." Conforme mostram cinco horas e meia de gravações, Sinatra aprendeu a cantar com o trombone de Tommy Dorsey (nascido em 1905). A edição foi organizada pelo produtor Paul Williams. Contém 120 gravações. São sucessos lançados para os selos Victor e Bluebird e registros inéditos, organizados como se fossem dez programas de rádio da época. Acompanha a caixa um livreto com a história de cada uma das sessões de gravação, um ensaio, discografia e documentação fotográfica. A introdução é de Sinatra. "Trabalhar com Tommy Dorsey foi uma das épocas mais felizes da minha vida", diz. "Tive o prazer de ouvir algumas das canções depois de terem sido restauradas e me emocionei com o resultado." A emoção do cantor pode ser experimentada tanto pelo especialista como o ouvinte comum. Eram sessões aguardadas havia muito pelos fãs de música. Nesses registros raros, é possível observar como se deu a transformação de um cantor imaturo em senhor do microfone. Tudo emoldurado pelo equilíbrio da orquestra, os arranjos de Axel Stordahl –mestre na soldagem dos metais nas madeiras– e os solos "fôlego-de-gato" de Dorsey. Sinatra admirava a técnica de respiração do trombonista. Sua relação com o fôlego de Dorsey era mítica e remontava ao início da carreira. Ato falho ou não, faltou-lhe ar na primeira vez que tentou fazer uma audição para Dorsey. Aconteceu em Nova York, no verão de 1939. Sinatra tinha as letras das canções bem diante dos olhos. "Ele era um deus para mim. As letras estavam diante de mim e eu conseguia apenas pronunciar ar. Nenhum som saiu." Dorsey terminou por contratá-lo em janeiro de 1940. O cantor gastou tempo observando o trombonista. Descobriu que ele controlava a respiração de forma a não deixar perceber o ruído do ar no meio de uma melodia. Inspirava aos golpes, com o canto da boca, enquanto soprava com as bochechas. "Por que um cantor não pode fazer assim?", pensou. Passou a mergulhar para infundir capacidade aeróbica ao seu timbre aveludado. Com a prática, desenvolveu sua própria técnica de ampliar o "legato" na melodia, resultando num efeito de relaxamento quase sobrenatural. Nascia "a voz". No disco há dezenas de canções que mostram os segredos de Sinatra. A melhor delas é "Without a Song", gravada em fevereiro de 1941. Ali, ele concorre com o trombone do chefe. Fraseia e emite cada nota como um instrumento, de precisão. Ninguém perde o fôlego, exceto o ouvinte. Discos: Tommy Dorsey-Frank Sinatra, The Song is You Lançamento: BMG Ariola Quanto: R$ 100 (caixa com cinco CDs, em média Texto Anterior: Derek Walcott recria a tradição no Caribe Próximo Texto: João Gilberto inventa seus precursores Índice |
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