São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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Ainda sobre o julgamento de Collor

MARIO LUIZ BONSAGLIA

Muitas das análises publicadas sobre a absolvição de Collor pelo STF procuraram imputar ao procurador-geral da República, Aristides Junqueira, a responsabilidade por esse resultado.
Tamanho foi o ímpeto crítico que se abateu sobre o Ministério Público que até mesmo determinada cronista de assuntos mundanos se sentiu encorajada a tripudiar sobre o procurador-geral.
Em síntese, foi absolvido juridicamente o réu e, por alguns, pretendida a condenação moral de seu acusador.
Esses ataques, sem qualquer consistência jurídica, pretenderam transformar o procurador-geral da República em bode expiatório da absolvição de Collor.
Se a denúncia oferecida pela Procuradoria-geral da República fosse inepta, não teria sido recebida, há dois anos, pelo STF, uma vez que a instauração de um processo pressupõe a existência de um juízo de admissibilidade da acusação.
A afirmação de que o delito de corrupção passiva somente se caracteriza com a prática de um "ato de ofício" por parte do funcionário público incriminado não tem apoio na definição legal desse delito, até porque o funcionário pode ser corrompido justamente para não praticar o ato de ofício...
Certo jurista, que se arvorou em crítico de plantão do procurador-geral da República, não se cansou de repetir ter a acusação cometido o erro crasso de denunciar PC Farias por corrupção passiva apesar de este não ser funcionário público, o que, argumentou, seria um absurdo tão grande quanto acusar uma pessoa solteira de adultério.
Ora, qualquer estudante de direito sabe que uma pessoa solteira pode, sim, ser acusada do crime de adultério, desde que mantenha relacionamento sexual com pessoa casada. Analogamente, PC Farias foi denunciado na condição de partícipe do crime de corrupção imputado primordialmente ao ex-presidente.
No que concerne às provas, é certo que a lei e a própria jurisprudência atribuem validade probatória aos indícios, ou seja, às circunstâncias que evidenciam indiretamente a ocorrência do fato criminoso e podem, quando veementes, fundamentar uma condenação.
A lei brasileira também estabelece que o processo penal deve ser guiado pelo princípio da verdade real, no sentido de que devem ser colhidas, inclusive por iniciativa do juiz, as provas necessárias à demonstração de como os fatos efetivamente aconteceram. Quer dizer, o processo penal não pode ser conduzido formalisticamente, divorciado da realidade.
Por outro lado, a absolvição do ex-presidente Collor e os subsequentes ataques ao MPF vieram a calhar para todos aqueles que representam interesses que se sentem incomodados com a ação da Procuradoria-geral da República, particularmente sob o mandato do procurador Aristides Junqueira, que imprimiu ao Ministério Público uma independência de atuação jamais vivenciada antes.
O Ministério Público Federal, utilizando os poderes investigatórios que lhe conferiu a Lei Complementar 75/93, inclusive no que toca à requisição de informações bancárias, indispensável à apuração dos crimes econômico-financeiros, vem conduzindo uma série de investigações e ajuizando inúmeras ações penais que estão certamente inquietando muitos daqueles que se julgavam acima do bem e do mal e a salvo de responsbilização por seus atos.
O desfecho do primeiro processo movido contra Collor constituiu, sem dúvida, um revés, incapaz, porém, de esmorecer a busca de uma aplicação sem privilégios da lei, condição indispensável para a consolidação do Estado democrático de direito.

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