São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994
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A vez do bom senso

GERALDO ATALIBA

Sob o título "A vez dos Estados", os economistas Winston Fritsch e Gesner Oliveira escreveram ótimo artigo na Folha, dia 20/11/94. Aí mostram que o ICMS é desestimulante das exportações, além de desincentivante dos investimentos produtivos e da criação de empregos. Têm razão.
O modo pelo qual foi sendo modelada a legislação, deu ao ICMS esses e outros defeitos graves, como a excessiva (e desnecessária) burocracia, onerosa para o contribuinte, e a complicação despropositada que –sem aumentar a receita– atormenta a todos além de dar arbítrio selvagem ao fisco estadual.
Arrolam nesse didático estudo as providências que a União já adotou e dizem que ela esgotou o que podia fazer. Nisso, exageram. A União ainda pode fazer muita coisa. Mediante simples lei ordinária, pode reconhecer amplamente crédito de IPI (e sua manutenção) em todo e qualquer caso de operação tributada por esse imposto.
Isso é aliás o que manda claramente a Constituição, que não autoriza o legislador a negar crédito, nem a prever seu estorno (a não ser em caso de erro). É inconstitucional toda lei que reduza, restrinja, anule ou ignore crédito de IPI, que é sempre e invariavelmente automático, por força da própria Constituição: toda vez que houver incidência do IPI, há crédito (inclusive pela aquisição de bens de capital).
Nos últimos 20 anos, introduziram-se na legislação autoritária (decretos-leis) normas de restrição ou negação de crédito. Ora, a Constituição é límpida, clara e simples: sempre que há incidência, há crédito (art. 153, parágrafo 3º, 2º). Não há justificação jurídica para nenhuma norma legal ou regulamentar estabelecendo o contrário. Aí está mais um ponto em que não há necessidade de emenda constitucional para estimular os investimentos, criar empregos e facilitar as exportações.
Do ICMS pode-se dizer a mesma coisa, com a seguinte exceção: só há um caso de não geração de crédito e só um de sua possível anulação (art. 155, parágrafo 2º, 2º), assim mesmo, podendo lei, inclusive a federal, dispor em contrário (art. 155, 12º, f).
Na verdade, a Constituição dá à União, mediante lei complementar, enorme poder sobre o ICMS, poder que não tem sido usado ou que foi sempre mal usado. São excelentes as propostas de Fritsch e Oliveira. E, na maioria, estão no pleno alcance da União. A essas propostas, pode a lei complementar federal acrescentar muitas outras medidas normativas simplificadoras, desburocratizantes e eliminadores do arbítrio, em matéria de ICMS, com o fito também de estimular investimentos, gerar empregos e incrementar as exportações.
Duas anotações, entretanto, precisam ser feitas, sobre o clima de distanciamento da Constituição que se criou com a má legislação existente: o Confaz não é órgão legislativo. A Constituição só prevê, com funções legislativas, o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas. E –ao fixar o princípio da legalidade estrita, em matéria tributária (art. 150, 1º)– deixou claro que só a lei regula relações substantivas entre fisco e contribuinte.
Logo, é do legislador que se deve esperar as excelentes (e constitucionais) medidas preconizadas pelos articulistas. Quase tudo que eles postulam, em rigor, já está na Constituição. Basta interpretá-la sem preconceitos e revogar (ou ignorar) a legislação em contrário.
Por último, é indispensável assinalar ser a desejada "recuperação de créditos de ICMS" –que eles acertadamente pregam– desnecessária: é que nenhuma lei pode desconhecer ou reduzir créditos (exceto no único caso consentido pelo art. 155, parágrafo 2º, 2º). Logo, nada há a "recuperar", a não ser o senso jurídico, que mostra que a União (da qual são qualificados agentes os articulistas) "tem a faca e o queijo na mão" e não age em benefício do país e das empresas produtivas, porque sente-se prisioneira, no círculo de giz que os preconceitos lhe traçaram.
Isso tudo mostra que, em uma semana, pode-se resolver 90% dos problemas aventados pelos ilustres economistas, desasfixiando as empresas da burocracia kafkiana e aliviando-as do fiscalismo pantagruélico que as enleiou, entorpecendo nossas atividades produtivas. Basta às autoridades da União ter boa assessoria jurídica, vontade esclarecida e bom senso.

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