São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994
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"A Última Batalha da Indochina" expia culpa dos franceses no Vietnã

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um veterano da guerra do Vietnã obcecado pelo que passou ali torna-se cineasta e faz um filme para exorcizar seus fantasmas. O americano Oliver Stone e "Platoon"? Quase. "Diên Biên Phú", com o curioso título "A Última Batalha da Indochina" no Brasil, onde estreou na última sexta-feira, é um equivalente francês do filme de Stone. Não vão muito além disso as semelhanças entre os filmes.
O diretor Pierre Schoendoerffer foi um dos mais de 10 mil soldados aprisionados pelo inimigo, a guerrilha comunista Vietminh, depois da derrota na batalha que ele mostra no filme, uma rara produção européia sobre a guerra.
O filme teve o mérito de ser filmado no próprio Vietnã, em uma região parecida com a do combate, em 1991, com ajuda do Exército local. Isso ajuda a entendê-lo. Os europeus demoram mais a reconhecer seus erros e expiá-los no cinema. Já os americanos fizeram filmes sobre o Vietnã enquanto a memória do conflito ainda estava bem fresca no país –ou mesmo durante a guerra, como um meio de influenciá-la.
Em maio de 1994 foram completados 40 anos da batalha de Dien Bien Phu (os acentos no título do filme não costumam ser usados mesmo na França). As feridas já foram bem cicatrizadas, tanto que durante a filmagem houve confraternização entre os soldados dos dois países que serviram de figurantes.
"A Última Batalha da Indochina" não conta a história dessa que foi uma das mais importantes batalhas do século 20, que marcou a derrota do colonialismo ocidental no Terceiro Mundo pelo nacionalismo travestido de comunismo. Schoendoerffer se limita a mostrar combates. Um espectador que não conheça história –e isso inclui boa parte dos jovens franceses de hoje– fica sem saber porque aqueles sujeitos estão brigando.
Ele ficou de fato obcecado pela batalha, pois as cenas de ação são de um hiper-realismo em certos momentos superior mesmo ao dos filmes americanos. Foram usados aviões de caça e transporte iguais aos de 1954. Não foram achados os mesmos tanques da época, embora ironicamente os blindados usados tenham pertencido ao antigo Exército do Vietnã do Sul.
Schoendoerffer foi cinegrafista do Exército durante a batalha e destruiu seus filmes ao ser aprisionado. Uma cena do filme mostra um cinegrafista fazendo exatamente isso.
Em uma entrevista em 1991, perguntado sobre a ignorância do público de hoje sobre o já antigo conflito colonial, ele disse que pretendeu mostrar que Dien Bien Phu foi uma versão moderna da batalha de Verdun, na Primeira Guerra Mundial.
Com isso, o diretor minimiza o aspecto político da batalha, o fato de que a derrota foi o ponto final do sonho imperial francês: "Para mim, o mistério e a grandeza de Dien Bien Phu se situam na realidade em outro ponto, pois esses homens lutaram como seus avôs tinham feito em Verdun, uma tragédia renovada com a diferença que seus avôs tinham o solo da França sob os pés".
Não apenas "sob" os pés. Schoendoerffer mostra a batalha no Vietnã como uma versão da guerra de trincheira de 1914-18, com arame farpados, tiros de canhão e lama, muita lama.
Isso faz da "Última Batalha" um filme incompleto. Não há História, nem história. Há soldados reclamando que não recebem reforços (a velha desculpa para derrotas) e outros morrendo na lama. Sem dúvida houve heroísmo. Mas em nenhum momento se vai fundo nos porquês da batalha, ou mesmo da estupidez militar de colocar tropas em um vale rodeadas pelo inimigo em colinas.
Também não há personagens à altura da palavra. Schoendoerffer diz que optou por não incluir estrelas no elenco e que teve de lutar para os atores perceberem "que a estrela é Dien Bien Phu". O mais próximo de um personagem com alguma identidade é um correspondente americano, mas sua caracterização não passa de um onipresente charuto e de um sotaque atroz em francês (as legendas em português também criaram um involuntário momento humorístico ao chamarem o general Vietminh Vô Nguyen Giap de "Jap").
Fiel ao ritmo lento associado a filmes franceses, "A Última Batalha" se arrasta penosamente, já que as guarnições francesas ficaram sitiadas por 55 dias. O filme vai mostrando sucessivos reforços de tropas e reabastecimento por pára-quedas e a lenta queda das posições fortificadas, cada uma com o nome de uma mulher.
"Indochina", com Catherine Deneuve no papel principal, ainda é o melhor filme francês sobre sua ex-colônia.

Filme: A Última Batalha da Indochina
Direção: Pierre Schoendoerffer
Onde: Belas Artes/sala Oscar Niemeyer, Eldorado 6, Ipiranga 2

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