São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994
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"A Hora das Bruxas" narra saga familiar de três séculos de feitiçaria

MARCELO CALLIARI
DA REDAÇÃO

Quem gostou dos vampiros –ou quem não gostou deles, ou nem se animou a experimentar– tem agora uma nova chance de julgar a norte-americana Anne Rice, autora da sanguinolenta tetralogia dos mortos-vivos iniciada com "Entrevista com o Vampiro", atualmente nos cinemas no Brasil. Escritora cult nos Estados Unidos, Rice ataca uma outra veia do ocultismo com o ambicioso "A Hora das Bruxas", recém-lançado no país pela editora Rocco.
Suas mais de 900 páginas, divididas em dois volumes na tradução, contam 300 anos de história de uma dinastia de bruxas e suas relações com o espírito Lasher. Poderoso e sedutor, Lasher usa 13 gerações de mulheres da família Mayfair para seus propósitos misteriosos enquanto é usado por elas para acumular poder e fortuna.
Longe de estereótipos, as bruxas de Rice são engenhosas mulheres de negócios, dedicadas à família, muitas vezes apaixonadas, implacáveis com inimigos, mas sobretudo presas a um poder que não compreendem e do qual não conseguem escapar.
Assim como fez nas crônicas dos vampiros, a autora salta no tempo, do presente em São Francisco e Nova Orleans para a Escócia do século 17, da Amsterdã de Rembrandt às plantações de café do Haiti colonial, revelando pouco a pouco informações que vão compondo um verdadeiro universo, complexo e consistente.
Seguindo seu estilo tradicional, ela esmera-se em descrições, permitindo que se visualize com detalhes cada ambiente e cada cena. São passagens que podem às vezes desafiar um leitor menos paciente, como fazem algumas das primeiras páginas do livro, mas o esforço vale a pena. Uma vez engrenada a história, e isso acontece com uma descoberta quase assustadora já no início, a trama se adensa numa teia de incesto, magia e morte cada vez mais envolvente.
O foco atual da história é Rowan Mayfair, neurocirurgiã criada em São Francisco que ignora sua herança de riquezas e tragédias. Seu destino muda completamente quando salva do afogamento um homem que ganha poderes paranormais. Apaixonados, os dois vão tentar encontrar respostas para seus próprios mistérios.
Diferente da sua ancestral Suzanne de Mayfair, a camponesa simplória que, por ignorância, conjurou Lasher na Escócia semi-medieval –e foi queimada na fogueira por isso–, Rowan acredita que pode compreender o espírito à luz da ciência moderna. Mas seu controle sobre ele mostra-se menor do que ela imaginava, e a relação entre ambos vira um thriller desesperador quando caminha para o clímax nas últimas páginas.
Este é o principal senão do livro. Talvez fascinada pela legião de seguidores fiéis que vem angariando, Anne Rice não se importa em não terminar suas histórias. Não que haja algo errado com continuações. Elas dão até um prazer especial ao tratar de personagens com os quais já se tem familiaridade. Isso, desde que cada obra resolva seus principais conflitos. Fica sempre uma sensação de traição quando o final de um livro parece dizer não perca o próximo capítulo (já lançado nos EUA com o nome "Lasher").
Mesmo assim, esta é talvez a melhor obra de Anne Rice, densa, aliciante, perturbadora. Como sempre, uma das atrações dos livros são os temas laterais que a autora introduz no meio da história, como o contraste que faz, através de Rowan, entre a cultura católica e a protestante, entre a decadência acolhedora e familiar da Louisiana e o eficiência individualista e asséptica da Califórnia.

Livro: A Hora das Bruxas
Autora: Anne Rice
Preço: Volume 1 (492 págs.) - R$ 29; Volume 2 (488 págs.) - R$ 29

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