São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994
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Efeito tequila

A crise mexicana, que de um modo ou de outro afeta todos os países latino-americanos, tem sido particularmente dura para a Argentina. Com um modelo assemelhado ao do México, a estabilização argentina apresenta dilemas similares. Surgem temores de que, mais cedo ou mais tarde, possa enfrentar os mesmos problemas. Algo como uma versão "tequila" do "efeito Orloff", segundo o qual o que acontece na Argentina tende a ocorrer também no Brasil.
Assim como o México, a Argentina ancorou sua estabilização na valorização da moeda local face ao dólar, na entrada de capitais para sustentar o déficit nas contas externas e numa forte abertura comercial. No México, esse modelo tornou-se insustentável.
Admitindo a gravidade da situação, o governo argentino tentou conter a fuga de capitais elevando os juros anuais dos 10% a 12% antes da crise para perto de 30% –isso, para uma inflação de 3,6% este ano. Ainda assim, só na terça-feira o Banco Central vendeu US$ 236 milhões para defender o peso. Na quarta, mais US$ 370. As ações argentinas perderam mais de 15% do seu valor nos últimos dez dias e os títulos públicos caíram em média cerca de 10% nesta semana.
Tais desdobramentos ecoaram com força no mercado financeiro. O governo suspendeu as atividades de um pequeno banco de investimentos para evitar que quebrasse e há grande inquietação quanto a outras instituições.
Essa situação somou-se a problemas prévios do governo, que já tinha dificuldades para pagar aposentadorias e décimo-terceiro dos servidores e vinha tentando adiar a contestação judicial de dívidas previdenciárias de US$ 500 milhões, agora bloqueadas por decreto.
O presidente veio a público saudar a queda da inflação (a menor em 50 anos), anunciar medidas de austeridade no setor público e sobretudo reafirmar, secundado pelo ministro da Economia, a determinação de não desvalorizar o câmbio. No momento, com a paridade peso-dólar embutindo uma defasagem estimada em até 50% e o capital externo muito mais arisco quanto à América Latina, tal afirmação tende a parecer retórica.
Se a débâcle mexicana anuviou o horizonte de toda a região, as nuvens nos céus argentinos são talvez as mais escuras. O problema, para o Brasil, é que o "efeito tequila" traz a crise física e psicologicamente para mais perto. A apenas um "efeito Orloff" de distância.

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