São Paulo, terça-feira, 1 de fevereiro de 1994
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Reverendo Al Green troca o gospel pelo soul

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim estava escrito. Depois de passar quase uma década e meia mais voltado para a religiosa música gospel e os fiéis de sua igreja, reverendo Al Green, 47, volta ao estilo que o lançou no final da década de 60, como uma das vozes negras mais originais da música pop deste século.
"Don't Look Back" (BMG-Ariola) marca o reencontro do cantor com a "soul music" –gênero do pop negro norte-americano que ajudou a revigorar, a partir da versão de um hit dos Temptations, "I Can't Get Next to You", no final de 1970. Intencional ou não, seu novo CD sugere algo semelhante a um "eterno retorno": a faixa-título é também um remake de um hit dos Temptations (leia crítica abaixo).
A vida e a carreira musical de Albert Greene (seu nome verdadeiro) começaram a mudar num dia de 1968, quando conheceu em Midland, no Texas, o então popular trompetista e músico de rhythm'n'blues Willie Mitchell. Cantor de um único hit ("Back Up Train"), que chegara ao quinto lugar na parada do ano anterior, Greene estava numa sinuca.
Com apenas alguns dólares no bolso e cheio de dívidas, o rapaz não sabia o que fazer para prosseguir a carreira iniciada junto com o pai (o baixista Robert Greene) e os irmãos, cantando gospel no quarteto The Greene Brothers. Flagrado pelo velho quando ouvia o rhythm'n'blues "profano" de Jackie Wilson, Albert foi sumariamente colocado na rua.
Mitchell, que há tempos pensava em largar a vida na estrada e se tornar produtor, percebeu logo que o rapaz tinha talento. Não só o convidou a se mudar para Memphis (a base da Hi Records, gravadora que produzia seus discos), como entregou –sem recibo nenhum– US$ 1.500 para que ele saldasse suas dívidas e, na semana seguinte, se apresentasse na gravadora.
Um mês e meio depois, Mitchell já tinha se conformado com o calote que levara quando o rapaz apareceu. Melhor ainda: ansioso para trabalhar. Juntos desenvolveram uma fórmula musical não exatamente nova, mas que se mostrou poderosa: um rhythm'n'blues com ritmo simples, marcado por uma batida seca e vestido com metais e cordas.
Mais difícil foi chegarem a um acordo em duas discussões. O rapaz teve que argumentar muito para convencer Mitchell de que deveria mudar seu nome para Al Green, mas conseguiu. Já o produtor brigou durante meses para conseguir que Green cantasse de um modo mais suave, usando mais o falsete. "Isso não vai soar como um homem cantando", se defendia o rapaz, ainda com o padrão de Otis Redding e Wilson Pickett na cabeça.
Após o sucesso de "Tired of Being Alone" e "I Can't Get Next to You", Green acabou cedendo à pressão do produtor. Meio a contragosto, gravou "Let's Stay Together" (parceria com Mitchell) de um modo mais "soft". Em duas semanas ganhou o disco de ouro, chegando ao n.º 1 do hit parade.
Começaram ali cinco anos de sucessos consecutivos, interrompidos por uma tragédia escandalosa. Em 74, uma ex-namorada de Green o queimou com uma panela de mingau de aveia, durante o banho, e depois se suicidou. O cantor entrou em crise, até resolver se tornar pastor, dois anos mais tarde. Desde então, é o líder da igreja Full Gospel Tabernacle, em Memphis. Faz poucos shows por ano e quase não dá entrevistas. Trocou os fãs pelos fiéis.

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