São Paulo, terça-feira, 1 de fevereiro de 1994
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Macabra matemática

Existem muitas maneiras pelas quais uma sociedade pode autodestruir-se. E o Brasil vai trilhando –decidido, firme– o mais eficiente desses métodos: o extermínio de sua juventude.
O relatório sobre a violência contra menores no Brasil elaborado pela prestigiosa Americas Watch, que será divulgado oficialmente em todo o mundo no próximo dia 10, impressiona e causa profunda revolta. Os números de assassinatos de jovens são assustadores, as providências, praticamente nulas, e o preço, uma triste confirmação da banalização da brutalidade, um verdadeiro atentado contra tudo aquilo que almeja ser digno de carregar consigo o adjetivo "humano".
Pobre do país que, entre 1988 e 1991, assassinou 5.644 crianças entre 15 e 17 anos. Infeliz do país em que 90% das investigações de crimes cometidos contra jovens ficam sem solução. Triste do país em que contratar a morte de uma criança pode sair por US$ 10,00.
E se a banalidade do mal na Alemanha nazista encontrou uma de suas piores manifestações na burocrática eficiência com que cada engrenagem cumpria, meticulosamente, sua terrível função para a disseminação da morte, no Brasil a banalidade do mal se traduz –principalmente– na fria indiferença com que se aceitam tamanhas barbáries.
Já é hora de o Brasil gritar não. É simplesmente intolerável que a sociedade e as autoridades continuem, impassíveis, a assistir ao contínuo aumento dos números dessa macabra matemática. E não são apenas algumas crianças que não vingam. A permanecer a atual situação, será o Brasil que não vingará. Será toda uma sociedade que terá de admitir inequivocamente o seu mais completo e injustificável fracasso.

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