São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
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E se o Congresso fosse feito de jornalistas?

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Na última semana, um curioso anúncio de página inteira chamou a atenção dos leitores da Folha e de outros jornais. Um senhor autodenominado Ayrton Ferreira Précoma "não filiado a partido político" e "simples cidadão" gastou –pelos meus cálculos precários– cerca de US$ 300 mil para veicular sua mensagem nos jornais acima citados: "Vote em branco".
Tudo bem. O ideal, de fato, seria que cada um votasse como quisesse, em quem quisesse, do jeito que quisesse. No entanto, o que estará por trás do anúncio do seu Précoma (pré-coma?)? Não sei e tenho raiva de quem sabe. Mas boa coisa certamente não é, na-na-ni-na-não.
Pessoalmente, eu não empregaria US$ 300 mil nem mesmo em um transplante de medula para um ente querido, quanto mais em papel de jornal. Mas cada louco rasga dinheiro como bem entende...
Segundo a mensagem dilacerante de seu Précoma, o Congresso é uma nave espacial que baixou por acaso em Brasília à revelia de todos os tapuias. Trata-se de um câncer que deve ser neutralizado com um voto em branco. Coisa simples.
Mas será que uma prosaica eliminação desses lúmpens seria a solução para nossos flagelos? Se substituíssemos os parlamentares atuais por engenheiros, médicos, artistas circenses, intelectuais ou –quiçá– jornalistas, teríamos finalmente um Brasil mais higiênico e domado?
Du-vi-de-o-dó. Existem cerca de 5.000 municípios no país. Se algum Thomas Skidmore da vida optasse por destrinchar ao acaso a performance política de qualquer dessas cidades, certamente ouviria de eleitores arrependidos a seguinte ladainha: "A câmara é composta por corruptos... o prefeito não presta...".
Convivo há 20 anos com o cidadão Domingos Carlos de Souza Batista, que exerce a função de motorista e Merlin nos domínios de minha família. Outro dia, Carlito foi ludibriado por seu dentista, que cobrou a mais e executou a menos o serviço bucal previamente orçado.
O dentista rouba o assalariado. Não se trata sequer de decupagem de filme de Peter Greenaway. Os trópicos são tão sórdidos...

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