São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
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Escultura de artista primitivista é castrada

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

O escultor Chico Tabibuia –representante da "art brut" brasileira, obcecado por imagens eróticas, especialmente falos– sente a dor da mutilação como se fosse o marido caboclo de uma Lorena Bobbitt dos trópicos. Sua obra mais recente, "Os Nove Exus", foi decepada.
Um dos Exus teve o pênis de 30 cm cortado na casa de cultura de Barra de São João, distrito de Casimiro de Abreu, a 220 km do Rio. A escultura tem 1,5 metro de altura e quatro lados com um metro de largura cada e foi trabalhada durante oito meses.
"Me revoltei, passei uma fome danada e nem quis trabalhar. Ficou muito feio sem o peru que sonhei. Me deu vontade de nunca mais fazer nada", afirma Chico Tabibuia, artista autodidata, que não sabe ler ou escrever e mora numa casa sem luz elétrica em Santo Antônio, distrito de Cabo Frio, na Região dos Lagos.
Tabibuia, nos documentos Francisco Moraes da Silva, ganhou este apelido por recolher do rio São João troncos de árvores do mesmo nome. Faz esculturas a partir das formas que diz ver em sonhos. Desde 84, as esculturas ganharam forte apelo erótico, a maior parte delas com pênis desproporcionais ao corpo. Chegou a esculpir um Exu fálico com 3 metros de altura.
Admirado por nomes como Frederico Morais, crítico de arte, e Nise da Silveira, do Museu do Inconsciente, Tabibuia já expôs no Rio no Museu Nacional de Belas Artes, Museu de Arte Moderna (em mostra montada para a Eco-92) e Uerj, e em Paris, no Grand Palais, em coletiva sobre a arte popular brasileira.
A peça "Os Nove Exus" foi feita especialmente para a Casa de Cultura de Barra de São João, montada na residência que pertenceu ao poeta romantico Casimiro de Abreu. Tabibuia esculpiu nove tipos de Exus –no umbanda, entidade similar aos demônios do catolicismo– no tronco de uma árvore que era utilizada para despachos por umbandistas.
A escultura foi levada em outubro do ano passado para a Casa de Casimiro, em Barra de São João, distrito com cerca de 6.000 habitantes. No final do ano passado, em data desconhecida pelos administradores da casa, alguém utilizou provavelmente um martelo e um formão para cortar o pênis do Exu, também tido como um símbolo da fertilidade.
A mutilação foi tão perfeita que impediu qualquer tentativa de restauração. Os vários cortes feitos na base do pênis impediram a reconstituição. A Prefeitura de Casimiro de Abreu, responsável pela casa de cultura, demitiu uma funcionária, acusada de omissão, mas não identificou o responsável.
Desde que foi levada para a Casa de Cultura, a obra criava problemas, segundo funcionários que não quiseram se identificar. Eles alegam que crianças que iam ao museu, situado a 100 metros de uma igreja, "faziam algazarra" por causa do pênis. Classificaram a escultura como obra de um "velhinho safado". "Se Deus achasse isso feio, fazia todo mundo liso. Se não faz, é porque não acha ruim", rebate Tabibuia.

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