São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
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Evitar o caos

Enquanto a imensa maioria dos brasileiros entrega-se à árdua tarefa de trabalhar pelo menos de segunda a sexta-feira, a maior parte dos parlamentares vem desenvolvendo o péssimo hábito de só dar o ar de sua graça no Congresso uma ou duas vezes por semana. Depois da semana inglesa inventada pelos britânicos, o Brasil inova e cria o que já pode ser batizado de semana parlamentar. O que já seria um absurdo –pessoas que recebem dinheiro público para fazer algo e não fazem– assume as proporções de escândalo quando se constata que, em sua inação crônica, os parlamentares estão paralisando o país.
De fato, os legisladores brasileiros vêm dando sucessivas mostras de que ignoram a extrema urgência da crise que o país atravessa e o bom momento para tentar superá-la. Até porque, a agravar-se ainda mais a situação econômica e social, o país estará se aproximando ainda mais do caos.
Mas os congressistas agem como se não houvesse uma proposta orçamentária supostamente sem déficit público que ainda não foi votada. Agem como se não houvesse um plano econômico do governo que tem de ser discutido e aprovado ou rejeitado. Nesta última hipótese, é óbvio, é preciso que o Congresso apresente alternativas. Enfim, agem como se não estivesse em curso um processo de reforma da Constituição que poderá melhorar ou piorar muito o país. Esse processo, é evidente, exige muito mais atenção do que a que os chamados "nobres parlamentares" vêm-se dignando a conceder-lhe.
Embora nada tenha tido de atípica, a última segunda-feira foi marcante. Nesse dia, a Câmara, mais uma vez, levou sua tendência absenteísta ao paroxismo. As 14h30, hora prevista para o início da sessão, havia 37 parlamentares. Os deputados da Casa são 503, ou seja, pouco mais de ínfimos 7% estavam presentes. O presidente da Casa estava ausente. Outra ausência chocante foi a do terceiro secretário, Aécio Neves (PSDB-MG). Esta dá um toque kafkiano à cena. Neves é o responsável pela coleta de justificativas de faltas. São Paulo e Rio de Janeiro, dois dos maiores Estados da União, tinham, cada um, um único representante. Cinco das vinte e seis unidades federativas não estavam representadas.
Mesmo o tímido avanço registrado ontem não é motivo para louvor. Em primeiro lugar, comparecer ao emprego não é nada mais do que a obrigação de cada trabalhador ou parlamentar (estes aparentemente já não pertencem à categoria anterior). Em segundo, a obtenção do quórum só foi possível devido a intenso e anormal empenho por parte do governo. Convenha-se, o mínimo que se espera de congressistas é que frequentem o Congresso.
Enfim, se os parlamentares não tomarem consciência de suas imensas responsabilidades num momento tão delicado quanto o atual e decidirem fazer aquilo para que são pagos com dinheiro público, estarão comprometendo ainda mais a já fortemente corroída imagem da instituição. E eles não têm o direito de colocar em risco um dos pilares da democracia e do Estado de Direito.

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