São Paulo, quarta-feira, 2 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

URV surpresa

São cada vez mais desencontradas as declarações, oficiais e oficiosas, sobre o futuro do programa antiinflacionário –em especial sobre as regras e cronograma de implementação da Unidade Real de Valor. A situação beira o absurdo, agora que o próprio presidente do Banco Central, Pedro Malan, em entrevista que a Folha publica hoje, afirma poder chegar até 1996 o horizonte para a implementação da reforma monetária.
As evidências sugerem, portanto, que sequer entre os membros da equipe econômica há consenso. Nos seus pronunciamentos as três etapas do Plano FHC (ajuste fiscal, indexação à URV e criação de uma nova moeda) ora se distanciam, ora se aproximam no tempo, aumentando a cada dia as incertezas do mercado.
Os argumentos em favor de uma condensação das etapas partem da hipótese de que seriam elevados os riscos de convivência entre a moeda velha, o cruzeiro real, e uma quase-nova moeda, a URV. Esse temor surgiu ao longo de janeiro, quando a taxa de inflação bateu na barreira dos 40% mensais e as autoridades econômicas insistiram na inviabilidade de uma nova moeda em ambiente de aceleração da inflação na moeda velha.
O maior risco, no caso, é o de uma brutal aceleração dos preços em cruzeiros reais, uma hiperinflação na moeda velha que acabaria contaminando a moeda nova. Assim, entendem alguns que a melhor forma de evitar os percalços da transição entre a segunda e a terceira etapa do Plano seria partir o quanto antes para a criação da nova moeda. Nesse caso, o governo talvez tivesse de se arriscar a recorrer a providências intervencionistas na regulamentação da conversão dos contratos.
Contra a tese de encurtamento de prazos joga a constatação, dentro e fora do governo, de que seriam inúmeras e enormes as dificuldades políticas, jurídicas e operacionais de uma passagem rápida para a nova moeda. A começar pelo cronograma da primeira etapa, ainda inconclusa e na dependência do Congresso aprovar uma emenda constitucional e o Orçamento de 1994.
Outra dificuldade de um encurtamento, aliás significativa, seria a virtual impossibilidade de conduzir a reforma sem algum esquema do tipo "tablita". O governo arbitraria as perdas entre credores e devedores, como já ocorreu em planos anteriores. Toda transação a prazo ou mesmo prefixada teria de ser "tablitada".
Nessa hipótese, o governo teria de abandonar a postura gradualista e favorável à adesão voluntária à URV, preconizada até aqui, em favor de uma ordenação mais impositiva. O secretário de Política Econômica, Winston Fritsch, já admitiu (e depois desmentiu) que esta seria a opção do governo, que recorreria a medidas provisórias para disciplinar a conversão de preços e contratos.
A declaração do presidente do BC, entretanto, foge completamente às lógicas tanto do gradualismo como do choque. Vai na contramão da ansiedade geral frente a uma inflação temerariamente estacionada na casa dos 40%. E torna ainda mais opacas, para o mercado, as intenções de uma equipe cujo princípio sempre reiterado foi até há pouco, afinal, o da transparência e da negociação –ou seja, da ausência de surpresas.

Texto Anterior: Evitar o caos
Próximo Texto: Congresso
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.