São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Falso diretor da Globo ilude jovens

ARMANDO ANTENORE; SILVIA CORREA
DA REPORTAGEM LOCAL

SILVIA CORREA
Revistas de circulação nacional e pequenos jornais paulistanos publicam desde dezembro um anúncio sedutor: "Vem aí um canal do futuro para o futuro, com produções independentes, séries de TV e comerciais. Seja uma modelo ou atriz (...). Nossa produção espera sua carta." Logo abaixo do texto, há um endereço: largo Santa Cecília, 73, 1º andar (São Paulo-SP).
Quem tiver o trabalho de visitar o local acabará conversando com um homem de olhos claros, cabelos ralos e cerca de 50 anos, que se faz passar por Guel Arraes, diretor da Rede Globo. Ele se diz dono da "TV Jr., canal 8, uma nova emissora em UHF".
O visitante acabará, também, recebendo a informação de que, naquele lugar, não há espaço para timidez: o canal 8 só contrata atrizes e modelos que aceitem fazer "fotos sensuais, usando lingerie." Ou topem participar de produções em que beijem rapazes nus, masturbem-se, simulem orgasmos e protagonizem cenas de sexo explícito.
A denúncia é de cinco jovens, que procuraram o endereço depois de ler o anúncio. Todas gravaram depoimentos para a Folha, narrando o que fizeram, viram e escutaram no primeiro andar do edifício Jaraguá, que fica próximo à igreja de Santa Cecília (região central).
Por 15 dias, a reportagem observou o local e acabou fotografando o homem que as garotas apontaram como Guel Arraes. A Folha tentou ouvi-lo ontem durante toda a tarde, mas não o encontrou. Ele não possui nenhuma semelhança física com o diretor da Globo, que é filho do deputado federal Miguel Arraes. "Imagine, não tenho nem apartamento, quanto mais canal de televisão", diz o verdadeiro Guel.
Três das cinco jovens concordaram em se identificar. São Ingrid Nogueira Penido, 18, que mora no Jardim Nakamura (zona sul) e está desempregada; Andréia Algaitis, 21, secretária, que vive no ABC e Ana Cristina Ferreira Lins, 19, que trabalha como bancária em Araraquara (SP). As outras duas garotas –que têm 23 e 24 anos– preferiram permanecer incógnitas.
Todas as jovens contam praticamente a mesma história: interessaram-se pelo anúncio porque sempre sonharam com a carreira artística. Procuraram o prédio de Santa Cecília durante o mês de janeiro. No local, falaram primeiro com uma secretária. Depois, se dirigiram para uma sala, onde estava o homem de olhos claros.
Três das jovens dizem que o homem se apresentou como Miguel Arraes Jr., "o Guel Arraes, diretor da 'Terça Nobre' e outros programas da Globo". Para duas garotas, deu apenas o nome de Miguel.
As cinco contam que o homem afirmou possuir uma emissora de televisão na capital paulista: o canal 8 (UHF), que pretendia lançar dia 3 de março. "Impossível", rebate José Carlos Elmor, funcionário do Ministério das Comunicações em São Paulo. "Tecnicamente, os canais de UHF começam no número 15. O canal 8 é de VHF."
O homem também disse comandar o "Jornal dos Shoppings" –que, desde dezembro, circula semanalmente em São Paulo. O número 2 da publicação, com data de 10 de janeiro, traz o nome de Miguel Arraes Jr. no expediente. Cargo: diretor administrativo.
Inicialmente, o falso Guel prometia às garotas emprego como modelos fotográficos do jornal e como atrizes do canal 8. Não falava em produções pornográficas. Mas pedia às jovens que ficassem apenas de calcinha e sutiã: queria saber se tinham "corpo bonito". Marcava, então, um teste –geralmente, para as manhãs de sábado.
No teste, as garotas recebiam o script de uma minissérie. O texto, inocente, tinha apenas duas personagens e o título de "Escalada para a Fama". Somente depois de ensaiar o script é que o falso Guel abria o jogo, dizendo que talvez as jovens precisassem participar de "cenas mais quentes". Não esclarecia se tais cenas fariam parte de um filme ou de um vídeo. "Quem quiser desistir que desista agora", avisava. As jovens que falaram à Folha desistiram.

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