São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Sem caos e sem solução

LUÍS NASSIF

O primeiro ponto que assusta na implantação da URV é que até agora não passa de uma obra aberta. Seus formuladores poderão argumentar que existem muitas saídas disponíveis, que poderão ser escolhidas no momento da implantação. O problema não é a falta de saídas. É a indefinição em relação ao excesso de possibilidades.
No fundo, a formulação da URV padece do que se poderia denominar de "paradoxo do cinema em chamas". Juntem-se duas dezenas de frios executivos em um cinema. De repente, alguém grita fogo e começa a confusão. O mais frio e racional de todos esticará o pescoço para além da multidão em pânico; analiticamente constatará que não existe fogo, por-se-á a caminhar lentamente em direção à porta... e morrerá cru, porém atropelado pelos 19 colegas em pânico. Ou seja, não basta saber que não há incêndio: tem que se ter certeza se os demais também sabem disso.
O mesmo ocorre com a formação de preços. Pela lógica, todos os contratos deveriam ser convertidos em URV em níveis abaixo da média. Seria bom negócio para o devedor (que vai pagar menos que no último período) e para o credor (que vai receber mais do que no próximo período, se a inflação aumentar).
Essa lógica pode ser aplicada em ambiente restrito, aos contratos de todos os tipos, onde tem-se apenas um contratante em cada ponta. No ambiente nervoso do varejo, nos preços de serviços de saúde, na corrente fabricante - atacadista - varejo, principalmente se ocorre o estouro da boiada, o buraco é mais embaixo.
Previsibilidade a ajuste
Da gestão Marcílio Marques Moreira para cá, a falta de surpresas em planos de estabilização permitiu razoável equilíbrio dos preços relativos. Pode-se alegar que a estratégia de primeiro preparar os fundamentos da economia, para depois buscar a estabilização, apenas escondia a vontade de não fazer coisa nenhuma.
Mas foi essa humildade, de não ousar vôos além das condições políticas ou da equipe, que permitiu a pausa da qual se valeram as empresas para completar seu processo de ajustamento –que hoje é apontado indistintamente, como o grande trunfo de que dispõe o país para superar a crise.
De lá para cá, se se convertesse em dólar o fluxo de compras e vendas das empresas organizadas seria possível observar uma razoável estabilização, como se todas elas fossem useiras e vezeiras na arte de trabalhar com moedas fortes.
O mero anúncio da URV, no ano passado, no entanto, contribuiu para conturbar esse ambiente. O impacto da URV destrói o equilíbrio de preços anterior. Pela impossibilidade de preverem corretamente o próximo momento, obriga os agentes econômicos a subirem preventivamente os preços, gerando uma inflação em URV.
Sem descontrole
Não se deve apostar que a implantação da URV irá descontrolar amplamente o sistema de preços. Hoje a economia brasileira já dispõe de uma flexibilidade inédita para amortecer e ajustar os grandes choques de preços.
Em julho de 1990, os supermercados apostaram na velha ciranda –congelamento - superestocagem - estouro de preços– e quebraram a cara. Em setembro de 1992, o mercado de câmbio apostou na explosão do dólar. E quem esticou o pescoço foi guilhotinado.
Pelos antecedentes, é provável que a entrada da URV promova uma dispersão inicial de preços, que irá encontrar o equilíbrio mais adiante, sem desorganizar completamente a economia, mas gerando uma inflação em URVs.
Os riscos em sua implantação são de outra ordem. Primeiro, pela perda de energias em lançar um plano que não é definitivo, de um governo que, o mais tardar, acaba em julho. A decepção com seu provável fracasso irá inibir a futura adoção do plano de estabilização definitivo.
O segundo risco é que ninguém poderá garantir, a priori, como ficará a taxa de câmbio efetiva, depois que todo o sistema de preços for "urrivizado". Se, do salto no escuro, resultar um taxa de câmbio valorizada, vai ser mais um atraso na vida do país.

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