São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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PTerodáctilos

Uma desastrosa volta ao passado. É isso que promete para o Brasil o esboço do programa de governo do Partido dos Trabalhadores, divulgado hoje por esta Folha. Mesmo considerando-se o retrocesso ideológico que já se vinha verificando na agremiação, o grau de arcaísmo das teses apresentadas, o radicalismo ultrapassado da própria linguagem, o intervencionismo burocrático –enfim, todo o ranço jurássico que permeia o documento– são de tal ordem que causam surpresa e profunda apreensão.
O que o PT propõe para o futuro do país é um programa que parece saído de um túnel do tempo, importado integral e diretamente dos anos 50 e 60. Catastroficamente inadequado, portanto, para o Brasil real. Longe de se restringir a um anacronismo curioso, o documento pode ter efeitos muito concretos, e nefastos, para o país. Trata-se afinal do programa da legenda líder na corrida presidencial e de teses que, se forem ratificadas na convenção do partido, em abril, têm chances reais de ser implementadas.
Se o infantil antiamericanismo do discurso para a política externa e o recurso ao desgastado jargão socialista da luta de classes já causam desalento, as propostas para a área econômica provocam calafrios. Recusando lições da história, os PTerodáctilos prometem, em caso de vitória, reeditar medidas cujo fracasso já foi exaustivamente comprovado e mesmo voltar atrás naqueles poucos passos modernizantes dados nos últimos tempos.
É certo que o documento defende também alguns pontos positivos e sempre atuais, como uma melhor distribuição de renda. Mas, permanecendo apenas no âmbito vago das declarações de intenções, são teses que não alteram o caráter extemporâneo do documento e da maioria das suas propostas concretas.
O indispensável programa de privatização, por exemplo, não só seria extinto como algumas das vendas já realizadas seriam passíveis de anulação. Os monopólios, por sua vez, seriam preservados intactos, com todos os ônus que representam para a sociedade.
O programa desenterra ainda a malfadada moratória da dívida externa, abrindo espaço também para um cancelamento de todos os avanços registrados na normalização das relações com a comunidade financeira internacional. Mais, faz concessões ao corporativismo ao admitir jogar ainda mais dinheiro público no poço sem fundo dos bancos estaduais.
Já as propostas na área de comunicações, além de conter generalidades surreais como a que dá a cada município direito a um canal de rádio e TV, expõem a sanha intervencionista tradicional do PT. Há normas regulando até a origem da programação a ser veiculada por rádios e TVs.
A parte do texto dedicada às Forças Armadas merece avaliação um pouco mais detida, em função de seus desdobramentos também na esfera política. Diversos nomes do partido já vinham defendendo –pasme– uma quadruplicação dos gastos militares. Nessa mesma linha, o documento preserva projetos polêmicos, como o programa nuclear, e propõe revalorizar as Forças Armadas. Como se o partido, vendo a perspectiva real de vencer as eleições, estivesse tentando seduzir os militares, numa atitude que lembra o oportunismo golpista da antiga UDN.
Depois de todos os indícios de que ao menos uma parte do PT procurava amadurecer, esse texto lamentavelmente parece consolidar a vitória interna do xiismo pré-histórico. Mais que isso, caminha para justificar o temor de uma vitória no pleito deste ano. Afinal, uma eventual adoção desse receituário equivocado de anacronismos não significaria só condenar o Brasil a um atraso e isolamento crescentes num mundo que avança em velocidade vertiginosa. Ignorar décadas de transformações com teses ultrapassadas ameaçaria retardar mais a volta do país à rota da estabilização e do desenvolvimento.

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