São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Os gazeteiros do Congresso

O Brasil tem coisas estranhas. Enquanto a maioria esmagadora dos cidadãos tem descontados em seus contracheques não só os dias faltados como também o domingo e os eventuais feriados da semana correspondente à ausência, uma pequena casta de 584 parlamentares –teoricamente pessoas absolutamente responsáveis escolhidas pela população para representá-la– vem sistematicamente deixando de cumprir suas jornadas de trabalho sem que se lhes aplique nenhuma penalidade. Ainda pior, quando os parlamentares, com seu péssimo hábito de desfrutar dos maiores "fins-de-semana" de que se tem notícia na história, deixam de apreciar um projeto qualquer, estão virtualmente paralisando o país. E isso em um momento extremamente delicado, em que se reclamam ações urgentes.
A eterna falta de preocupação em punir os ausentes chega a ponto de o presidente do Congresso, senador Humberto Lucena (PMDB-PB), não saber se é legal ou não descontar dos vencimentos dos parlamentares os dias faltados. Pediu parecer à assessoria jurídica do Senado.
O próprio Lucena, diga-se de passagem, teria seu salário bastante reduzido se os dias em que não compareceu a sessões da revisão constitucional fossem descontados. Segundo levantamento publicado hoje por esta Folha, Lucena assistiu apenas seis das dezoito sessões da revisão realizadas até ontem, ou seja, um terço do total. E Lucena não é o único. O próprio deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), o relator da revisão, faltou em oito sessões.
É claro que o princípio da moralidade pública exige que os congressistas só recebam pelos dias que trabalharem, o que inclui, obviamente, participar das sessões plenárias. Uma tal medida, além de fazer um pouco de justiça, tenderia a aumentar os baixíssimos níveis de presença nas duas Casas legislativas. Ainda assim, é preciso que se aplique um mecanismo de punição já existente, o da perda de mandato. Com efeito, a Constituição, em seu artigo 55, inciso III, prevê que o deputado ou senador que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer perderá o seu mandato.
São medidas simples, mas que podem contribuir para transformar o Parlamento numa instituição minimamente respeitada pela população. E essa transformação é não apenas uma obrigação de cada congressista, mas também um imperativo da democracia.

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