São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Em defesa do Congresso

MAILSON DA NÓBREGA

O Congresso recebeu duras críticas pela rejeição do aumento do Imposto de Renda das pessoas jurídicas. Muitos o condenaram por ter aumentado o IR apenas das pessoas físicas, como se não fossem os indivíduos, na grande maioria dos casos, os que sempre pagam os tributos. No Brasil ainda se pensa que a tributação da indústria e dos bancos constitui ônus das empresas. Imagina-se que a elevação das cunhas fiscais tem efeito nulo nos preços e nas taxas de juros.
A atitude do Congresso não é inédita. Surpreendente seria se aprovasse o ajuste fiscal sem acidente de percurso. A opinião pública também não é um primor de coerência nessa área. Por exemplo, ninguém protestou quando foi rejeitada a retenção de 15% dos fundos de participação dos Estados e municípios, a qual produziria resultados líquidos algumas vezes maior do que o aumento do IR das empresas. O lobby dos governadores foi mais eficiente.
O Congresso espelha, em última análise, a baixa institucionalização do sistema político brasileiro. Reflete o permissivismo da lei eleitoral, a resultante fragmentação partidária e o desequilíbrio de representação. Não existe orientação partidária eficaz. Cada parlamentar vota segundo sua visão pessoal do mundo. Deputados e senadores não respondem perante ninguém, a não ser "à sua própria consciência". Não há partidos políticos modernos, de massa, mas ajuntamentos semelhantes aos partidos de "notáveis", denominação de Bobbio para as agremiações partidárias européias do século 19, próprios para as sociedades menos complexas e de baixa participação.
Em um quadro onde predomina a atuação individual, é impossível formar maiorias parlamentares estáveis. Tornam-se impossíveis acordos políticos para aprovar matérias de interesse majoritário da sociedade. Sem sinalização partidária, o Congresso se transforma no paraíso das minorias: governadores, prefeitos, burocratas, sindicalistas, empresários e todos os demais membros do corporativismo cartorial. Essas minorias põem o que querem na Constituição, como em 1988, ou vetam propostas contrárias aos seus objetivos, como tem sido comum desde então. Assim, em vez de maiorias para governar temos "coalizões de veto", conforme identificado para o caso brasileiro por Wanderley Guilherme dos Santos.
Infelizmente, o sistema político brasileiro ressurgiu após o autoritarismo sem ter perdido a cultura e os métodos que o levaram às crises de governabilidade das décadas de 50 e 60. Sua organização, que já era obsoleta, tornou-se dramaticamente inviável para a nova realidade. A sociedade se tornou mais complexa e conflitiva. A crise fiscal, o esgotamento do modelo de desenvolvimento e a necessidade de definir novos paradigmas passaram a demandar medidas estruturais acima da capacidade decisória do Congresso. É abissal o despreparo institucional para deliberar-se sobre estratégias e políticas públicas que materializem os interesses e os objetivos da sociedade brasileira. A tudo isso ainda se soma a indigente coordenação política do governo.
Não se pode exigir do Congresso o que ele não é, muito menos coerência temporal e programática. Decide-se caso a caso, sendo naturais inconsequências como a das decisões sobre o Imposto de Renda. É necessário, assim, apoiar reformas como as propostas pelo deputado Nelson Jobim, para que o Congresso seja o efetivo "locus" das grandes decisões nacionais.
Há que se promover a ampla formação de partidos capazes de orientar e comandar a atuação de seus membros, em detrimento do personalismo, do fisiologismo e da corrupção. O Congresso precisa transformar-se numa autêntica Assembléia Nacional, abandonando a condição de agrupamento de "vereadores" a buscarem verbas para suas paróquias em um Orçamento empobrecido. Mecanismos de punição e recompensas, ao lado de regras de fidelidade e disciplina, são igualmente essenciais para estimular a atividade decisória e garantir o predomínio dos interesses do país.
A crítica que se ouviu por estes dias não constrói. Ao contrário, contribui para formar um clima hostil ao Congresso como instituição e até mesmo para reforçar a idéia equivocada dos que pregam sua desnecessidade. O período autoritário nos mostrou definitivamente que o único regime político estável a longo prazo é o democrático. Não existe democracia na atualidade sem um sistema representativo, portanto, sem o Parlamento. O Congresso é, pois, essencial. É preciso defender sua existência, remover seus defeitos e assim promover seu crescente fortalecimento.

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