São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Cingapura pode ensinar muito ao Brasil'

PEPE ESCOBAR
DA FT

Jadiel Ferreira de Oliveira, 52, baiano, casado, duas filhas, é nosso "homo brasilis" na cidade-Estado de Cingapura, a Suíça da Asia, uma ilha tropical, sem praias, com 2,3 milhões de habitantes, que em menos de 25 anos tornou-se o maior país exportador per capita do planeta. Asiáticos o qualificam respeitosamente de "ministro". Quando o Brasil estiver celebrando a Copa, provavelmente Jadiel estará em outra missão, inaugurando nossa embaixada em Hanói, no Vietnã.
Jadiel tem 32 anos de carreira no Itamaraty, sob todos os presidentes desde Jango. Já serviu no Oriente Médio, Europa Oriental, India, Coréia, Japão. Em uma rápida passagem por São Paulo, o embaixador alerta: ou o Brasil embarca no trem-bala asiático ou ficará na estação Irrelevância.
*-
Folha - O sr. foi diplomata na India, Coréia, Japão e Cingapura. Qual a imagem do Brasil na Asia, institucional, política, e como eventual parceiro?
Jadiel Ferreira de Oliveira - A imagem do Brasil na Asia tem sido idêntica à do resto do mundo. Eles olham para o Brasil e dizem: "Que pena. O que está acontecendo?" Ninguém tem tempo a perder. Se os asiáticos acham que o parceiro não vale a pena, deixam de lado. O Brasil corre o risco de se tornar irrelevante na medida em que não puser a casa em ordem e não se incorporar ao jogo. Com o tamanho, a população, o PNB, somos qualificados para participar do primeiro time. Isso só vamos conseguir quando fizermos o que diz o relator do Banco Mundial: "Entender quais são os conceitos fundamentais."
Folha - É questão de vontade política e "management".
Oliveira - Foi o que fizeram os "tigres asiáticos". E não há segredo nisso. Olhar o exemplo dos outros é fundamental, para que não se fique alimentando um pensamento mágico, de que podemos chegar ao status de país desenvolvido sem cumprir um receituário básico que deu certo em todos esses países, como revela o último relatório do Banco Mundial.
Folha - Esse é o relatório que examina os oito países de maior desenvolvimento proporcional nos últimos anos?
Oliveira - Sim. Mas não compara com a América Latina. Ela deve ser feita por nós.
Folha - Paul Kennedy fez essa comparação no seu "Preparando para o Século 21".
Oliveira - Mas quando ele fez o livro, o relatório do Banco Mundial não tinha saído.
Folha - Quais as principais conclusões do relatório?
Oliveira - É o primeiro de uma série. O Japão se dispôs a financiar uma parte do estudo. O time do Banco Mundial selecionou os quatro "tigres" –Cingapura, Hong Kong, Taiwan e Coréia do Sul–, incluiu o Japão e mais os três "tigrinhos" novos –Tailândia, Indonésia e Malásia. E estuda as "public policies" adotadas nesses países, e em que grau deram certo. Acho que devemos estudar esse relatório, fazer um seminário sobre ele, tentar descobrir em que medida essas políticas da Asia podem ser implementadas também na América Latina. Alguma coisa é cultural. Por exemplo, a ênfase na educação bate com a visão confuciana do mundo, de valorização do saber.
Folha - Que tem um paralelo com nossa noção ocidental de "conhecimento é poder".
Oliveira - Mais ou menos. Mas não é tão aprofundado quanto na cultura confuciona. Aqui não há essa busca permanente do saber. Aqui na civilização latino-americana, para usar a terminologia de Samuel Huntington, você tem a necessidade de se educar até certo ponto. Você chega até a universidade e ponto. Tem gente que nunca mais abre um livro. Na civilização confuciana, e na civilização japonesa, você nunca acha que sabe bastante. E há uma valorização do aparato institucional de educação. O mérito desse relatório é abrir uma série de debates. Todo mundo falou muito até hoje sobre os "tigres asiáticos" e o Japão. Mas nunca houve um estudo comparativo entre os quatro "tigres", o Japão e os três aspirantes, que pudesse ser estendido à América Latina –o segundo maior pólo de crescimento da economia mundial depois da Asia.
Folha - Qual o diferencial do Brasil em relação ao resto da América Latina?
Oliveira - Tamanho, população, grau de desenvolvimento. Mas os "tigres" estão preocupados fundamentalmente com o crescimento regional. Vietnã, China, Indonésia, que está disparando, com 180 milhões de habitantes. Eles podem se interessar pela América Latina na medida em que quiserem diversificar investimentos. E que surjam oportunidades irrecusáveis.
Folha - O que o Brasil pode aprender de Cingapura?
Oliveira - Muita coisa. Primeiro, a organização do Estado, com políticas claras, favorece o desenvolvimento econômico. E em um prazo tão curto. Em 30 anos, o país passou de um pântano de jacarés e mosquitos a uma minipotência. É um país que tem US$ 46 bilhões em capital aplicável.
Folha - Cingapura coordenou uma política de exportação com repressão política. Na Asia essa correlação é inevitável?
Oliveira - É. Pelo menos nesse caso. Cingapura tem um sério problema étnico. Não é homogêneo. Tem 76% de chineses, 14% de malaios, 7% de indianos e o resto de eurasianos. Querendo ou não, é um enclave chinês em um mundo malaio. E essas relações nunca foram muito boas. Isso obriga a um certo controle do Estado sobre os meios de comunicação. Especialmente da imprensa ocidental, que de uma certa maneira não é democrática. Ela é arrogante, especialmente um segmento da imprensa norte-americana, que se acha com a vocação missionária de iluminar o mundo. O grau de democracia de uma sociedade deve ser fruto de uma negociação entre cada sociedade e o Estado que representa. A sociedade cingapuriana está de acordo com as restrições impostas pelo Estado cingapuriano. Por causa dos resultados. Se deu certo até agora, porque mexer no time?
Folha - Esse Estado tem sido personalizado por Lee Kuan Yew, ex-primeiro-ministro.
Oliveira - Sim, e pelo Partido de Ação Popular. É um colegiado. Lee Kuan Yew era apenas a figura mais eminente. Há uma espécie de colégio de cardeais dentro do PAP. Mas não há uma situação na qual um sujeito manda tudo e sabe tudo. Lee Kuan Yew preparou toda uma geração de líderes para o sucederem. Dentro do partido há um debate profundo sobre todas as decisões a serem tomadas.
Folha - São os tecnocratas de elite do país.
Oliveira - Sim, e com PHD nas melhores universidades do mundo. É a melhor réplica moderna da República de Platão, na qual os sábios e filósofos estão no poder.

Continua na pág. 6-9.

Texto Anterior: Museu Dom Bosco tem 80 mil peças
Próximo Texto: 'Valor básico é o crescimento econômico'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.