São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Pelé é mito ou um ilustre desconhecido?

BÓRIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há algumas semanas o SBT fez um grande barulho com sua chegada a um povoado, se não me engano do interior do Piauí, pela energia solar.
Parecia ser um caso isolado, mas não era bem assim. A revista "Veja" publicou uma reportagem espantosa, descrevendo outros povoados, sem água encanada, sem energia elétrica, sem TV, em Minas Gerais e até em Santa Catarina, que imaginamos loira e moderninha.
Bigode
Seus habitantes não sabem quem é o ministro da Fazenda, quem é o presidente da República, que alguns imaginam gordinho, de bigode e um pouco careca.
Vem daí o espanto? Não. Vem do fato de que, segundo a reportagem, nessas cidadezinhas nunca se ouviu falar em Pelé.
Teoria
A constatação é tão incrível que, para entendê-la, é necessário recorrer à teoria sociológica.
Durante muitos anos, teve prestígio nos meios intelectuais a teoria dos "dois Brasis", afirmando mais ou menos o seguinte: o país é formado por duas realidades sociais completamente distintas –o Brasil arcaico e o Brasil moderno–, sem nada de comum entre elas.
Esta teoria foi, na aparência, sepultada em anos mais recentes, por sociólogos que trataram de demonstrar que os "dois Brasis" são parte de um mesmo todo, um dependendo do outro ou se explicando pelo outro.
Se a reportagem de "Veja" for verdadeira, acho que está na hora de restituir a dignidade da velha teoria.
Pois o mundo com Pelé e um mundo sem Pelé constituem realidades materiais e universos mentais completamente separados, embora existindo em um mesmo território.
Já pensaram? Achávamos que todos nós tínhamos chorado com Pelé o choro no ombro do Gilmar, na Copa da Suécia, em 1958.
Achávamos que todos nós, em 1962, na Copa do Chile, tínhamos ficado suspensos no espaço, com a contusão do rei, no jogo contra a Tchecoslováquia, sem adivinhar as façanhas do possesso Amarildo.
Achávamos que todos nós, direita e esquerda, nos piores anos da repressão, tínhamos comemorado as façanhas do craque amadurecido, na Copa do México, em 1970.
Palavras vazias
Mas não era bem assim. Existia quem, honradamente, não participasse de nossas loucas emoções e continuasse lavrando a terra, pitando seu cigarro de palha e dormindo ao escurecer, enquanto ficávamos presos ao rádio e à TV.
Além disso, a divisão entre o mortal Edson Arantes do Nascimento e o mito Pelé perde sentido: existe gente para quem o homem e o mito são palavras vazias.
Mas, no fundo, acho que os rapazes da "Veja" exageraram na dose. Vá o Pelé sentar-se na pracinha de Serra Velha, de chapéu de palha na cabeça, camisa costurada e botinas gastas.
O primeiro passante olhará a figura e logo sairá correndo, anunciando a boa nova: Ele chegou!
A teoria dos "dois Brasis" ficará definitivamente enterrada, o mito Pelé brilhará outra vez onde quer que o sol nasça e se ponha, e o mundo voltará a ficar de cabeça para cima.

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