São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Megaescândalo

É incrivelmente escandalosa e inaceitável a anistia ampla para devedores do crédito rural que foi aprovada na Câmara dos Deputados –e segue agora para apreciação no Senado. O escândalo está na forma como se encaminhou a proposta, no seu conteúdo, no impacto financeiro decorrente, no momento escolhido para apresentá-la e, sobretudo, em que tenha sido aprovada a toque de caixa pelos deputados.
Um grupo de onze parlamentares, nove dos quais produtores rurais inadimplentes, teve o desplante de encorpar uma CPI do endividamento agrícola –portanto, advogando em causa própria. Essa atitude por si só deveria ser investigada como delito de falta de decoro parlamentar.
A proposta seria motivo de chacota, não fossem seus efeitos catastróficos. Os devedores deram-se como prêmio pela má gestão de seus negócios a suspensão da correção monetária sobre contratos de crédito rural, assim como da capitalização mensal de juros e da cobrança de juros de mora, entre outras regalias. Tudo à custa de seu bolso, leitor.
O rombo no sistema financeiro, especialmente no Banco do Brasil, pode chegar a US$ 97 bilhões, segundo cálculos do próprio BB. Aprovar essa malandragem delirante seria decretar a falência do banco ou do Tesouro.
O momento escolhido para fazer passar a proposta talvez parecesse oportuníssimo à gatunagem. Afinal, as atenções do país estiveram voltadas nos últimos meses à outra CPI, do Orçamento. E nas últimas semanas o foco está na revisão constitucional e, principalmente, nos esforços para equilibrar o Orçamento em 1994.
Não há motivos para desconsiderar os problemas que afligem a agricultura brasileira. Inaceitável é jogar sobre todos os brasileiros uma conta injustificável e impagável. A proposta deve ser não apenas repudiada como seus autores investigados a fundo no caráter e extensão de suas atuações parlamentares pretéritas.
É outro escândalo que sem dúvida justifica uma CPI da CPI. Pior ainda é haver na Câmara não nove ou onze, mas 204 políticos prontos a referendar uma proposta cínica, irresponsável e insustentável. Fazem temer pelo que ainda poderá produzir o Congresso Nacional nesse ano de ambições populistas e eleitoreiras.

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