São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
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Três crises

MARCELO COELHO

SÃO PAULO – Sempre se falou em desmoralização do Congresso. Absenteísmo, trens da alegria, corrupção não são acontecimentos inéditos da história brasileira.
Mas as tensões que atualmente atravessam o Legislativo atingem níveis dramáticos.
Na verdade, parece haver três crises combinadas. A primeira é de caráter político e conjuntural. Diz respeito à proximidade das eleições para presidente. A sucessão interfere em todo o processo decisório do Congresso.
A segunda crise é de ordem institucional. O sistema de representação no Congresso é distorcido, anacrônico, viciado. O princípio da proporcionalidade das bancadas estaduais não prevalece, os partidos carecem de disciplina interna, o papel dos deputados tem sido o de representantes de lobbies localizados, o peso dos governadores e dos interesses regionais não dão ao Legislativo a função nacional que deveria ter.
Com relação a essa série de problemas, reformas são possíveis. Voto facultativo, sistema distrital misto, nova legislação partidária vêm sendo lembrados como medidas capazes de corrigir as distorções atuais.
Serão suficientes? Desconfio que não. É que há uma terceira crise, de ordem estrutural, que não é exclusiva apenas do Brasil.
Há sintomas dessa crise no Peru de Fujimori, na Rússia de Ieltsin, e não seria nada espantoso se o Brasil conhecesse desfechos semelhantes aos desses países.
Mesmo nas democracias mais estáveis, o papel dos partidos políticos parece entrar em declínio. Reivindicações localizadas, pressões circunstanciais, grupos de interesse específicos recortam a sociedade com uma estridência que as velhas práticas de disciplina partidária e programática não conseguem vencer.
Situações próximas da ingovernabilidade, como terrorismo ou hiperinflação, são menos capazes de produzir consenso do que parece à primeira vista. Cada grupo de interesse político procura pôr a responsabilidade nos demais. Dividir é mais fácil do que somar.
Numa situação dessas, os riscos para a democracia são grandes. Nada legitima, nada justifica, uma fujimorização. Mas os meios de evitá-la parecem débeis a médio prazo.

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