São Paulo, sexta-feira, 4 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A sucessão está custando caro

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASILIA – O ministro Fernando Henrique Cardoso negou ontem aos jornalistas a disposição de deixar o governo se o Congresso estraçalhar seu plano de combate à inflação –nem poderia ser diferente. Mas, reservadamente, ele diz a amigos e assessores: vai embora mesmo. Seu raciocínio: a "bomba" vai explodir. E, por não se sentir responsável pela catástrofe, não vai deixar a mão.
Há pouco tempo, em contato com esta coluna, Fernando Henrique partiu de uma hipótese: sem ajuste, os preços explodem. E se explodirem pouco ou nada terá que fazer no Ministério da Fazenda. Não aceita, argumentou, entrar em "aventuras". Só lhe restaria cruzar a rua e voltar ao Congresso.
O leitor tem-se deparado com uma série de argumentos técnicos, alguns deles corretos e razoáveis, para não aprovar este ou aquele ponto do plano. Mas a questão essencial é simples: o que está, de fato, em jogo é a sucessão presidencial. "Se a população conhecesse mesmo como é o verdadeiro debate entre deputados e senadores em torno do interesse público iria invadir o Congresso", afirma o governador Ciro Gomes.
Impossível acompanhar as discussões sem ter a sensação de que a irresponsabilidade é um dos traços mais marcantes de nossa vida pública. Incrível que eles não tenham consciência de que existe uma corrida contra o tempo. Sucessão presidencial com explosão de preços é sinônimo de crise gigantesca –e cenário capaz de gerar uma solução autoritária.
Podem apostar: se a inflação explodir, com ou sem razão os ódios nacionais vão se voltar contra os políticos. O que, como se sabe, é uma velha e equivocada bandeira contra a democracia.
Uma inestimável colaboração acaba de ser dada: parlamentares conseguiriam aprovar um generosíssima mamata para os agricultores que tomaram dívidas em bancos –o que, óbvio, geraria um rombo público. Uma mamata que vai acabar no bolso contribuinte.
Como se não bastasse, a Folha descobriu ontem que muitos dos parlamentares que propuseram a mamata serão seus beneficiários diretos.
PS – Um bom critério para o eleitor saber se deve ou não reeleger um parlamentar este ano é ver como votou essa pouca-vergonha.

Texto Anterior: Três crises
Próximo Texto: Revisão e saco de praia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.