São Paulo, sábado, 5 de fevereiro de 1994
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"Burroughs explorou terrenos proibidos", diz Allen Ginsberg

EDUARDO SIMANTOB
DA REDAÇÃO

William Burroughs ainda estava se iniciando na vida marginal quando conheceu dois jovens recém-expulsos da Universidade de Columbia, em Nova York. O ano era 1944 e os EUA estavam vivendo a etapa final da Segunda Guerra, num esforço nacional que não dava espaço para muito questionamento. Esses dois jovens, porém, angustiavam-se romanticamente com a crueza do mundo e a falta de perspectiva numa sociedade democraticamente totalitária.
Jack Kerouac e Allen Ginsberg nem bem chegavam à vida adulta quando conheceram "mestre Bill". Amigos e companheiros de viagem desde então, suas obras se entrecruzam em diversos momentos e nas mais variadas situações. Kerouac morreu em 1969, deslocado em meio ao movimento que involuntariamente inspirou, afogando suas mágoas no vinho. Ginsberg continuou ativo e cada vez mais influente.
Há décadas atuando em movimentos por direitos humanos, liberação gay e ecologia, tem por profissão lecionar e escrever poesia. Aos 67 anos, de volta a Nova York após quatro meses palestrando na Europa, Ginsberg falou por telefone à Folha sobre a importância da obra de Burroughs. A seguir, trechos de suas declarações.
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"Burroughs teve um grande efeito na cultura 'mainstream' norte-americana, mesmo sem saber. Há vários jovens escritores bastante influenciados em termos de construção de uma obra literária. Burroughs mostrou que um romance podia ser uma série de flashes, mosaicos e rotinas, ao invés de ser simplesmente uma narrativa linear. Outro ponto importante é a exploração de áreas então proibidas, como o homossexualismo, fantasia mágica, drogas, coisas muito na moda hoje em dia."
"Antes da revolução sexual dos anos 60 e 70, havia uma grande desinformação sobre esses temas, com os quais Burroughs lidava tão naturalmente como se respira. Mas acredito que o mais importante em toda sua obra é o combate à dignificação da burocracia, da censura e do estado policial, detectando os mecanismos de controle mental subliminares e de lavagem cerebral em escala global."
"Burroughs costuma dizer que 'o governo é a linguagem', ou seja, ele é conduzido por palavras, leis e decretos, jornais e declarações; quem controla a linguagem controla as mentes. Controle de pensamento é na verdade palavras e imagens, e Burroughs é um grande 'picturista'. Enquanto os intelectuais dos anos 60 e 70 procuravam extremos marxistas e maoístas, nós estávamos interessados em consciências alteradas, tentando encontrar soluções ecológicas ao invés de ideológicas."
Com tudo isso, no seu aniversário haverá apenas uma pequena festa em sua casa e eu não creio que o presidente Clinton o chamará na Casa Branca." --(ES)

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