São Paulo, sábado, 5 de fevereiro de 1994
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Brodkey descreve a agonia da doença

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A revista "New Yorker" publica esta semana mais um texto do escritor Harold Brodkey sobre Aids. Brodkey, um dos principais escritores do pós-modernismo americano, há um ano descobriu estar com a doença, o que contou na revista, revelando sua homossexualidade. Agora escreve sobre a agonia que tem vivido, a pneumonia que o levou para o hospital, o apoio de sua mulher Ellen e a proximidade da morte. O artigo ocupa 15 páginas. Leia trechos a seguir. (Daniel Piza)
Desistir
"Me lembro de tentar não parecer um tolo explorador diante dos olhos de Ellen, ao lhe pedir para me servir de enfermeira durante uma doença terminal, e uma doença com estigma sexual. Me perguntava se ela me dispensaria. Conheci uma vez uma mulher (...) cujo marido, um sagaz banqueiro, ficou doente e impressionava a todo mundo com a maneira dura com que lutava para se reerguer, para ficar bom de novo. Essa mulher me disse um dia, 'Eu queria que ele desistisse'. A batalha dele tinha se estendido tanto (...) que a estava matando."
Arrogância
"Eu me sentia muito autoconfiante para ter uma morte assim. Eu estava ilógico, febril, mas minha mente ainda se movia como se fosse uma mente racional (...). Eu fiz os primeiros esboços de reconhecimento de que tinha Aids, não com a maliciosa consciência com a qual tento escrever ficção –eu não sentia aquele isolamento–, mas com uma sensação ou solidão diferentes. (...) Tenho vários tipos de humildade, mas sou arrogante. Sou semifamoso, e vejo o que vejo. Avalio tudo que aparece diante de mim –como um joalheiro. (...) Jamais esperei realmente que um dia teria sossego."
Amor sexual
"No século 20, as artes não retrataram a realidade do sexo verdadeiro e do amor verdadeiro como são na vida, atualmente –eles são vistos como, oh, alegria socialista, ou como um paraíso antes dos pesadelos, ou como não existentes (Joyce e Beckett, os irlandeses sexuais mas assexuados), ou como obsessão e vitimização (Freud e Proust), ou como algum idílio caloroso e nada mais. (...) Amor e sexo, afinal, são insensatos: olhe para mim. A natureza tola do amor sexual está aí diante de você, sempre. Dever civil, ambição, mesmo a liberdade pessoal são opostas a ele."
Cooperar
"Atenção médica, e os horrores da doença e da morte, da grande morte, me divertiam de maneira silenciosa. Divertiam? Bem, o que você sente quando esperam que enfrente uma pneunomia em geral fatal e você já foi sentenciado à morte? Você é carne mortal. Não vejo como possa cooperar em qualquer sentido comum. (...) Tediosamente, você suporta. Vive na maré dos influxos e efluxos de medicamentos."
Melodrama
"As pessoas que ficam obcecadas por você gostam de dizer que você não é nada especial, que você é feio –uma certa quantia de alto e baixo melodrama aguarda por você diariamente. Ah, os telefonemas amargos."
Sobre-humano
"Doenças intermináveis, sem morte, são muito mais depressivas do que eu poderia imaginar. Eu queria fazer, como uma espécie de piada, uma versão do esforço sobre-humano que Eleen queria de mim. Mas, você sabe, à medida que você envelhece fica cansado de esforços sobre-humanos."

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