São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Humor é moeda forte e rara em Brasília

MARCELO TAS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Passar uma semana no Congresso Nacional é parecido com ir à Disney. A toda hora se vêem coisas do arco-da-velha. Só que depois a gente não consegue mais se lembrar de nada com nitidez. Dentro do prédio, o entra-e-sai de "atrações" favorece a confusão dos sentidos. A figura da Mickey se embaralha com a do Pluto; a do Genoino com a do Esperidião Amim... Para desespero dos jornalistas, tudo parece estar sempre acontecendo. Ou então, para acontecer. Nunca se sabe se a emenda já foi votada. Se o castelo da Branca de Neve veio antes ou depois dos "Piratas do Caribe". O Ibsen chegou? O Pateta caiu? Para conquistar a atenção de audiência tão dispersa, o humor é a moeda forte e rara de troca dos políticos. Tem deputado especialista em ditar frases marotas para jornal. E senador que sabe cronometrar mentalmente as sílabas para aparecer no "Jornal Nacional".
Lá de fora, sob o sol implacável do planalto goiano, o Congresso lembra o design avançado daquelas lâminas paralelas na TV: "A primeira faz tchan, a segunda faz tchun...". Lá dentro, a brutalidade tropical é domada à força de milhões de BTUs. O prédio é um labirinto de paralelepípedos inflados de ar-condicionado. A temperatura é amena. E água e cafezinho estão sempre ao alcance da mão.
A praça central deste pequeno mundo encantado é o Salão Verde, que antecede o plenário da Câmara. A semana está movimentada e o tráfego de autoridades pelo carpete verde-abacate que dá nome ao salão é intenso. Aqui, o jogo de cena não obedece às cartilhas partidárias e é onde se dão a maioria dos encontros informais dos parlamentares com a imprensa. Sérgio Arouca, ex-PCB, ri das piadas de Esperidião Amim, do ex-PDS. E Paulo Delgado, do PT, cumprimenta efusivamente Alexandre Garcia, da TV Globo, com uma continência militar. Existe até um tapete que já virou estacionamento permanente de câmeras e cabos de televisão. Com os respectivos operadores jogando videogame ou tirando um cochilo sobre os sofás.
O trânsito confuso de seres humanos deixa até lobistas perdidos. Um deles pede ajuda. "Despenquei hoje de Belém do Pará porque ouvi dizer que deu quórum, mas não consegui ainda achar meus companheiros da mineradora", diz, ainda resfolegante. Mas logo desaparece no meio do turbilhão sem se identificar ao repórter.

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