São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Formalismo impede a aplicação justa do direito

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A persistência com que segmentos das profissões jurídicas ainda procuram soluções formais para os problemas da sociedade os impede de avaliar o presente e perturba a visão de seu papel no futuro.
Considerei, em comentário anterior, o formalismo da linguagem jurídica. Completo a análise com o formalismo das idéias, do qual o direito precisará livrar-se para cumprir sua finalidade. O professor Paulo Roberto de Gouvêa Medina, falando na Universidade Federal de Juiz de Fora, disse bem que o direito terá de acompanhar a evolução da humanidade, descobrindo novas técnicas de disciplina da convivência. Só assim organizará a engenharia social, nos quadros de uma visão atualíssima do mundo moderno.
O conjunto humano que opera a máquina da Justiça (juízes, promotores, advogados, polícia judiciária, funcionários) não tem compreendido as necessidades sociais contemporâneas. Gouvêa Medina disse, na mesma ocasião, que o direito enfrenta desafios resultantes da rapidez das transformações, das tensões sociais, da crise dos valores morais, da violência, da corrupção no serviço público. Até aqui o direito perdeu a batalha do enfrentamento.
Os desafios se tornam mais graves quando mal compreendidos pela magistratura (com a co-autoria de advogados e promotores) ante a importância transcedental de seu papel. A magistratura mostra-se inabilitada, como regra, para distinguir a diferença entre tocar a burocracia judiciária e realizar a justiça na heterogeneidade brasileira. Uma das causas está em que os magistrados mais antigos decidem as promoções e resolvem questões administrativas do interesse das bases do Judiciário. Com esse poder, incentivam condutas e decisões formais. Restringem a liberdade do ajuste da lei às condições sociais modificadas. Talvez seja essa a razão pela qual substancial parcela dos juízes ouvidos pelo IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo), em recente pesquisa, tenha considerado que os Tribunais de Justiça constituem uma das causas do emperramento judicial.
Faço uma pausa para esclarecer que quando a sentença adquire qualidade de coisa julgada, ultrapassados os recursos possíveis, ela recria a lei, ajustando-a ao caso concreto. Ora, a recriação e o ajuste formais tendem a negar a justiça. Na sua dominante aflição formalista o Judiciário tem, por exemplo, excluído o exame da legitimidade dos atos do Executivo e do Legislativo. Fixou-se na legalidade, como faz nas desapropriações. A indenização dos desapropriados deveria ser prévia e justa. Há decênios, porém, a indenização é paga muitos anos depois da expropriatória começar, nem prévia, nem justa. Contudo, o Judiciário jamais considerou que a injustiça fosse problema seu.
Outro exemplo: faltando lei que viabilize direito ou prerrogativa inerentes à liberdade constitucional, cabe o mandado de injução. Chamado a expedir mandados de injunção o Judiciário optou por não preencher o vazio da lei. Saiu pela tangente formal com a ordem de que os outros Poderes, conforme o caso, "adotem as providências necessárias". Liquidou a utilidade da injunção.
O juiz está impedido de se manifestar fora do processo, sobre questões submetidas a seu julgamento. Todavia, pelo menos as associações de magistrados não podem ignorar os problemas da sociedade moderna, silenciando quanto a suas soluções. Vejo com otimismo que tais associações estão começando a tomar consciência sobre a necessidade de afirmar opiniões e defender idéias. Isso é bom de ver e de aplaudir.

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