São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Educação e desenvolvimento

ANTONIO KANDIR

Um dos traços persistentes de nossa experiência histórica tem sido a pouca importância reservada à escola pública, em particular ao ensino fundamental. O fato não é fortuito: numa sociedade marcada por enormes distâncias sociais, o pouco caso com a educação pública corresponde ao desinteresse histórico de oferecer aos excluídos as possibilidades abertas pela aprendizagem e o conhecimento.
A esse respeito, a história brasileira contrasta com a de alguns de nossos vizinhos próximos, para não falar dos países desenvolvidos e dos "Tigres Asiáticos". Na Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, as elites republicanas estiveram desde logo empenhadas na universalização do ensino público fundamental.
No Brasil, foi diferente. Até os anos 70, entretanto, a existência de uma grande massa de gente com baixíssimo nível de escolaridade não representou obstáculo ao crescimento econômico. Antes o contrário: o país cresceu como nenhum outro e a existência de um amplo contingente de trabalhadores pouco ou nada qualificados, e dispostos a aceitar baixos salários, representou "vantagem" (haja aspas!) para a geração e atração de investimentos.
Agora, porém, estamos pagando todas as promissórias dessa miopia secular de nossas elites. No momento em que as vantagens comparativas tradicionais cedem importância à capacidade dinâmica de produzir e assimilar conhecimentos, o ensino público no Brasil encontra-se semidestruído.
O regime autoritário teve seu papel nesse processo. Nos anos 70, ao mesmo tempo em que se ampliava quantitativamente o atendimento (o número de matrículas no ensino de 1.º grau passou de 8,368 milhões, em 1960, para 22,598 milhões, em 1980) nada foi feito de positivo para barrar a queda da qualidade de ensino.
Resultado: os segmentos da classe média que ascendiam com o "milagre" migraram para o ensino privado; a escola pública virou "escola de pobre" e começou a rolar ladeira abaixo. Hoje, a classe média, empobrecida, não pode contar com o ensino público à altura de suas expectativas e se esfalfa para pagar aos filhos uma escola privada. E as camadas mais pobres perderam um instrumento-chave de ascensão social.
A degradação do ensino público foi particularmente acentuada no chamado ensino fundamental (1.ª a 8.ª série, antigos primário e ginásio). Além de reforçar o ciclo de reprodução da pobreza, a degradação do ensino público fundamental coloca o país em desvantagem num mundo em que a competição econômica se apóia cada vez mais em habilidades cognitivas adequadas à produção e assimilação de conhecimentos, habilidades que ou são desenvolvidas na infância e adolescência, ou dificilmente o serão mais tarde.
A propósito, estudo realizado há alguns anos pelo Educational Testing Service comparando a proficiência em matemática e ciências de crianças de 13 anos deixou-nos em posição nada confortável: ficamos abaixo da média em ambas as áreas (a amostra brasileira foi formada por crianças de São Paulo e Fortaleza).
Em matemática, mesmo os 5% melhores de São Paulo não obtiveram notas senão iguais à média de países como Hungria, Formosa e União Soviética. Em Fortaleza, na área de ciências, os resultados foram ainda piores: a média ficou abaixo do desempenho dos piores alunos de Coréia, Formosa, Suíça e Hungria.
Os dados são assustadores e apontam a necessidade de superar o descaso e as estratégias educacionais equivocadas do passado. Para tanto, é necessário colocar a questão educacional no centro de um projeto de desenvolvimento digno do nome, com vistas a formar consenso efetivo quanto às necessidades básicas de aprendizagem da população brasileira e padrões adequados de gestão das escolas e dos órgãos centrais responsáveis. Não há outro meio de entrar para valer na modernidade.

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