São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Securitização do espaço urbano

MILTON CAMPANARIO

Um dos graves estrangulamentos da economia brasileira é o modelo de financiamento dos investimentos voltados para a infra-estrutura de suporte às atividades econômicas e sociais. O grande desafio é redirecionar para o financiamento os recursos da poupança privada hoje circulando como papéis públicos.
Esse desafio começou a ser vencido com a formatação de títulos públicos que trazem como garantia o próprio bem/serviço, resultante do projeto financiado. Tal é o caso do Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção) aplicável na área de infra-estrutura urbana. O que se objetiva é a securitização da dívida, através da emissão de títulos com lastro e que introduzem o conceito de dívida qualificada: os recursos provenientes da alienação dos títulos só são gastos no projeto de investimento que lhe deu origem.
No caso do Cepac, o conceito urbanístico que lhe dá sustentação é o do solo criado. Este é um instrumento que surge da separação do direito de propriedade do solo do direito de construir (ou criar solo). Como o potencial construtivo (e de mercado) de um terreno está diretamente ligado aos investimentos públicos, a apropriação total ou parcial do direito de construir pelo poder público poderia propiciar uma importante fonte de recursos e em poderoso instrumento urbanístico.
Em 1991, o solo criado foi incluído no projeto de Lei do Plano Diretor. Para evitar o artificialismo da Lei de Zoneamento, fixou-se um coeficiente único de aproveitamento do solo e, acima desse, a construção de cada metro quadrado seria outorgada a particulares através da cobrança de um valor equivalente ao valor venal. O potencial de adensamento em cada zona seria fixado dependendo da efetiva disponibilidade de infra-estrutura de suporte.
Na época, constatando as dificuldades do poder público em arbitrar o valor de outorga (o valor venal é irreal) e, considerando que sua incidência uniforme sobre cada metro quadrado a ser construído inibiria o adensamento pretendido, esse autor propôs a criação de um título público designado de ODC (Opção de Direito de Construir).
Para ter acesso ao potencial de solo criado de uma área, o incorporador, ao invés de pagar um tributo, poderia adquirir ODCs, colocadas em leilão e transacionadas em bolsa. Em cada zona da cidade, o potencial construtivo adicional, expresso em títulos, seria fixado pelo poder público com base na infra-estrutura existente ou em construção. Por esse mecanismo tornar-se-ia possível também o surgimento de contratos futuros, reduzindo as incertezas do mercado. As ODCs lastradas no potencial construtivo e corretamente securitizadas, atrairiam recursos para formação de mercados secundários com a possibilidade de trocas de títulos no tempo e entre diferentes zonas da cidade. Em 1993, o Cepac foi proposto, em parte inspirado na ODC. Foi concebido para viabilizar a polêmica Operação Faria Lima, mas sua concepção é aplicável a qualquer outro projeto. O valor total da emissão não deve ultrapassar o limite de investimentos previsto. O valor do título será regido, naturalmente, pelo potencial do mercado imobiliário advindo da operação urbana realizada e dos incentivos que dilatam o potencial construtivo da região.
A diferença entre a ODC e o Cepac está no conceito de dívida qualificada, só presente no segundo caso. As ODCs seriam uma expressão financeira do potencial construtivo já criado por projetos de investimentos em uma zona da cidade. Já os Cepacs estão atrelados a um projeto a ser realizado com os recursos derivados da própria outorga de títulos aos particulares. Por estar atrelado a um programa de investimentos pré-elaborado, o Cepac qualifica a dívida, mas perde a mobilidade que a ODC teria no mercado secundário, pois nesse caso a transferência de direitos de construir entre zonas da cidade poderia ser idealizada. De qualquer forma, as propostas debatidas representam avanço do ponto de vista dos instrumentos financeiros e urbanísticos disponíveis pelo poder público local.

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