São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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O fim-de-semana é mais frio

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 08/02/94
O gráfico "Pé-frio no fim-de-semana" omitiu que os valores do eixo vertical são produto de um tratamento estatístico e, assim, não correspondem às médias de temperatura efetivamente medidas nos dias da semana. Na realidade, a amplitude de variação ao longo da semana é de somente 0,02°C,e não de 20°C, como indica a leitura do gráfico.
O fim-de-semana é mais frio
O efeito estufa vai muito bem, obrigado. Em especial às quartas-feiras. Além de confirmar um antigo preconceito contra os fins-de-semana, segundo o qual o tempo sempre melhora quando ele acaba, uma pesquisa recente realizada na Austrália joga um balde de água fria nos antiambientalistas de plantão. Basta um inverno mais rigoroso no hemisfério Norte, como o atual, para que saiam em campanha contra a idéia de que a atividade humana levará a um aquecimento da atmosfera terrestre. Já a friagem dominical não parece chamar a sua atenção.
O levantamento realizado pelos pesquisadores do Instituto Flinders para Ciências Atmosféricas e Marinhas de Adelaide (sul da Austrália), publicado na penúltima edição da revista britânica "Nature", é um alívio para quem se sentia perseguido pelo frio. Eles puseram seus computadores para vasculhar as temperaturas de nada menos do que 5.083 dias, registradas entre 1979 e 1992 por satélites norte-americanos da série Noaa, e confirmaram aquilo que um economista provavelmente batizaria de microssazonalidade: a temperatura média da camada mais baixa da atmosfera aumenta a partir de segunda-feira, alcança o máximo na quarta e despenca em direção ao fim-de-semana (veja gráfico abaixo, à direita).
Não pode haver indício mais eloquente da influência humana sobre o clima. A não ser, claro, que se acredite na possibilidade de Deus ter também ligado o ar condicionado, além de descansar, no sétimo dia. Na verdade, se você sua mais na quarta-feira do que nos outros dias para ganhar o mesmo salário, isso se deve a uma espécie de miniefeito estufa semanal. Ao longo da semana há muita atividade industrial e trânsito de veículos –as duas principais fontes dos gases que, como o gás carbônico, impedem que a Terra devolva para o espaço boa parte da energia que recebe do Sol (fazem o papel dos vidros de uma estufa de plantas). No final da semana, diminuem as atividades e com elas, a temperatura.
"Não chega a ser uma novidade, já era de se esperar", comenta Oswaldo Massambani, 44, do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto Astronômico e Geofísico da USP. Depois de ler o artigo, Massambani disse que sobram algumas dúvidas, como a causa da queda brusca da temperatura na quinta-feira, mas que de um modo geral a estatística vem confirmar uma tendência de aumento "antropogênico" da temperatura que pode ser detectada em qualquer grande capital brasileira, cujas temperaturas médias vêm aumentando à razão de 1 a 2 graus Celsius por década, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em São Paulo, esse acréscimo decenal é ainda mais acentuado, da ordem de 2 a 3 graus. Além dos gases-estufa, a massa de concreto que cobre extensas áreas de solo nas metrópoles modifica profundamente variáveis importantes para o microclima, como absorção de água e da energia solar. Mas há exceções nessa tendência de aquecimento, como Manaus, onde se detectou uma tendência contrária, de diminuição, que os meteorologistas não sabem ainda explicar.
Massambani chama porém a atenção para outro aspecto: os australianos detectaram em períodos de apenas sete dias uma variação de temperatura 70 vezes maior do que a prognosticada pelos modelos do efeito estufa (algo em torno de 3 graus por década), um bom indício da complicação que é entender o clima. "Isso torna o diagnóstico do efeito estufa ainda mais complexo. Os modelos de previsão têm de se tornar mais realistas", diz.
Com efeito, a mesma edição da "Nature" traz outro estudo, da Universidade do Alabama em Huntsville (sudeste dos EUA), que aponta precisamente essa necessidade de refinamento. Os norte-americanos ocuparam-se de aquilatar o peso de fenômenos naturais que contribuem para mascarar o efeito estufa, em particular erupções vulcânicas de importância como a do Monte Pinatubo (1991). Essas erupções lançam na atmosfera partículas em quantidade suficiente para barrar parte da energia solar, o que resulta em resfriamento das camadas da atmosfera que estão abaixo.
Expurgar das estatísticas essas influências naturais, como costumam fazer os economistas com as taxas de inflação, é importante para verificar se a temperatura global de fato está percorrendo uma trajetória de aquecimento. O gráfico gerado pelos climatologistas do Alabama sugere que sim, porém a uma taxa quatro vezes menor do que os modelos sugerem.
"Os modelos nunca são perfeitos", alerta Antonio Divino Moura, 48, coordenador de Meteorologia do Inpe. "Não existe nada nesse campo que seja preto-no-branco, exato. Há sempre alguma incerteza." Falta entender melhor o que aconteceria com a circulação dos oceanos ou com a cobertura de nuvens durante o efeito estufa. Mais nuvens refletiriam mais energia solar de volta para o espaço, mas segundo Moura não a ponto de contrabalançar totalmente o aumento de temperatura. Mudanças nas correntes marinhas poderiam alterar o clima de regiões inteiras, e não necessariamente no sentido do aquecimento. Um eventual desaparecimento da corrente do Golfo, por exemplo, provocaria um resfriamento da Europa.
Apesar das imperfeições, tanto Massambani quanto Moura recusam a idéia de que o modelo "efeito estufa" esteja em crise. "Além da variabilidade natural, há uma componente nova, a atividade humana, que traz um acréscimo. Mesmo que seja compensada, ela não deixa de existir", afirma o pesquisador do Inpe.

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