São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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A bola de cristal da Terra

HELIO GUROVITZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O centro da Terra pode ser de cristal –de ferro. Para confirmar essa hipótese, o pesquisador Jeroen Tromp, da Universidade Harvard, não teve que descer por algum vulcão islandês como um personagem de Júlio Verne. Bastou coletar dados de terremotos e fazer muitas, muitas contas.
A Terra não é um corpo sólido, estático e maciço. É dinâmica. Choques e movimentos de acomodação acontecem a toda a hora, alguns deles com consequências drásticas, como o que matou mais de 50 pessoas em Los Angeles no dia 17 de janeiro. Uma semana depois, ainda havia abalos na região, porque ondas continuam a se propagar pela superfície, por dentro –inclusive pelo centro– do planeta.
"O centro da Terra é um lugar peculiar. Não é muito grande e sabemos muito pouco a respeito dele", diz Tromp, que no final do ano passado publicou na revista "Nature" novas provas de que algum tipo de "anisotropia", ou estrutura cristalina, está presente no núcleo do planeta. Essa estrutura, alinhada com o eixo de rotação, permite que as ondas emitidas por terremotos (sísmicas) atravessem o núcleo com velocidades diferentes.
Desde 1983 se sabe que as ondas que cruzam o planeta do pólo Norte ao Sul são mais velozes do que as que atravessam o plano do equador. Isso levou cientistas a sugerirem diferentes explicações para a forma do núcleo sólido, com cerca de 1.200 km de raio, que está no centro da Terra.
"Alguns chegaram a propor que tivesse a forma de um ovo, mais alongado em relação ao eixo de rotação, mas isso criaria uma situação mecânica instável, por causa da própria rotação", conta Tromp. Segundo ele, em 1986 foi feita a primeira proposta de que o núcleo fosse anisotrópico, ou seja, de que é sua organização cristalina interna, não seu formato, a responsável pela diferença nas velocidades conforme a direção.
"Um modo de obter isso é ter cristais alinhados de uma maneira particular, fazendo com que as ondas passando em uma direção andem mais rápido do que em outra", diz Tromp. A forma desses cristais ainda é uma incógnita.
"Nem sabemos ainda quais os minerais do núcleo. Acredita-se que ele seja composto de ferro, mas há diferentes tipos de ferro, assim como há diferentes tipos de água e de gelo", diz o pesquisador. Um desses tipos poderia ser alinhado para explicar o comportamento das ondas, mas isso ainda é uma hipótese.
Para Tromp, há agora duas questões básicas a responder: quais os minerais do núcleo e como eles se organizam para exibir o comportamento detectado nas ondas.
O trabalho de Tromp traz uma forte evidência para a hipótese da anisotropia. Para completar a análise das ondas sísmicas que vibram em períodos curtos, feita desde 1986, ele estudou ondas de "oscilação livre da Terra", que podem vibrar uma vez a cada dez minutos e ser detectadas por aparelhos hipersensíveis semanas ou até meses depois dos terremotos.
"Agora estamos comunicando aos outros cientistas: OK, eis nossas observações. Confirmamos de dois modos distintos a anisotropia do núcleo. É preciso agora explicar como e por quê", conclui Tromp.
Ele levanta várias hipóteses para a organização cristalina. À medida que a Terra se resfria com o tempo, o núcleo vai lentamente crescendo, pela solidificação dos minerais ao seu redor. Esse processo poderia se orientar pelo campo magnético da Terra, criado principalmente pelo movimento no núcleo líquido que rodeia o núcleo sólido. Ao seguir essa orientação, os minerais se cristalizariam.
O próprio movimento de rotação do planeta poderia ser responsável pela organização dessa solidificação. Ela ocorre em uma camada mole, intermediária entre os núcleos sólido e líquido, ainda instável.
Finalmente, o núcleo sólido não seria totalmente compacto, mas estaria sujeito a movimentos internos de "convecção" que trariam minerais lentamente dos lados para cima, de cima para os lados e em várias direções. Isso poderia orientar a cristalização.

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