São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Água: uma dádiva de Deus

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Nos idos de 1961, quando Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, ficou sabendo da renúncia de Jânio Quadros, espantou-se: Mas por quê? Logo no Brasil, que tem tanta água...
Desde cedo, o meu pai me ensinou a economizar os recursos da natureza. Isso recebeu um reforço nos Estados Unidos quando lá fui estudar. Lembro-me como se fosse hoje. A dona da república onde morei, uma senhora franzina e de cara muito fechada, logo de saída me fez pagar uma sobretaxa de aluguel porque sabia que, como brasileiro, eu estava acostumado a tomar banho todos os dias e gastar muita água.
Na época, garoto novo, achei a mulherzinha um monstro de avareza. Hoje, vejo que todas as nações ricas fazem de tudo para economizar água. O último número da "National Geographic Magazine" informa que, do total de água do nosso planeta, 97% estão no mar, 2% estão aprisionados nos pólos e nas geleiras e apenas 1% está à nossa disposição nos rios e subsolo.
Os que abrem as torneiras e se esbaldam com o jorro da água não imaginam quanto custa esse raro bem. Em São Paulo, cada residência consome, em média, 25 mil litros de água por mês –três vezes mais do que na Inglaterra. E isso custa muito. Uma simples descarga de banheiro consome 22 litros e custa o equivalente a uns US$ 10 por mês. Os banhos diários de uma família de cinco pessoas montam em US$ 12 mensais. Regar o jardim por 30 minutos, duas vezes por semana, chega a US$ 6 por mês.
Os países mais avançados vêm investindo pesadamente em tecnologias poupadoras de água. Ao descrevê-las para uma amiga de vizinhança, ela destampou em risada que quase me pôs no ridículo. Referi-me às novas caixas de descarga no Primeiro Mundo, que fazem o usuário regular a quantidade de água de acordo com a natureza e quantidade do "trabalho" realizado. Nos banheiros públicos, as torneiras se fecham automaticamente, obrigando o usuário a abri-las novamente. Poucos sabem que uma torneira pingando, com uma abertura de dois milímetros, gasta 135 mil litros por mês –o que dá mais de US$ 200.
Pense nesses números. Não há porque desperdiçar uma coisa que é tão rara e tão nobre. Merece todo o aplauso a campanha educativa que a Sabesp vem fazendo em São Paulo em prol do uso racional da água. Afinal, para abastecer 330 municípios, ela tem de produzir cerca de dois trilhões (!) de litros de água por ano e investir cerca de US$ 1 bilhão para, simplesmente, atender o crescimento demográfico e melhorar a Bacia do Tietê.
O verão faz aumentar o consumo em quase 15%. É uma hora crítica para começar a reeducar os nossos hábitos. Ninguém vai morrer se lavar seu carro com balde, usando a mangueira só no final. Ou se adiar a audição de canto para após o banho. Ou se lavar a calçada só depois de uma boa varrida. São práticas simples, que em nada prejudicam a higiene ou os padrões sanitários. Tudo isso já é feito no Primeiro Mundo, como rotina. Por que nós, que somos mais pobres, não adotamos esses hábitos?

Texto Anterior: O Haiti é aqui e lá
Próximo Texto: Ópera de arrabalde
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.