São Paulo, segunda-feira, 7 de fevereiro de 1994
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Auster arrisca a sorte no cinema

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Para o escritor americano Paul Auster, "se pensarmos a imaginação como um continente, os livros seriam países vistos de forma isolada". Depois de oito romances publicados, dentre os quais cinco editados no Brasil (com mais de 33 mil exemplares vendidos), Auster começa agora, aos 47 anos, a preencher os espaços vazios do que ele mesmo chama de "um mapa inacabado". E dessa vez com algo mais do que livros: o cinema.
Distante do panorama da atual produção literária americana (mantendo igual distância das experimentações formais de autores como Gordon Lish e Robert Coover, ou da escola minimalista de Raymond Carver), Auster é o autor de uma série de romances que promovem uma releitura dos gêneros literários. O romance policial em "Trilogia de Nova York", a ficção-científica em "O País das Ultimas Coisas" ou como em "Leviatã", seu último livro, um ajuste de contas com o próprio papel do escritor.
"Jogando com a Sorte", adaptação de seu romance "A Música do Acaso" –de 1990– chegou ano passado aos cinemas dos EUA. Dirigido pelo estreante Philip Haas (que antes só havia realizado documentários, entre eles dez filmes com o artista plástico David Hockney), conta a história de dois jogadores profissionais –interpretados por James Spader e Mandy Patinkin– que são obrigados a construir um muro para saldar uma dívida.
O filme –que tem estréia prevista em São Paulo para os próximos meses– marca o primeiro encontro do escritor com o cinema. De seu apartamento no Brooklyn, em Nova York, Auster falou por telefone com exclusividade para a Folha sobre o filme, comentou o cancelamento de seu projeto com o diretor Wim Wenders, além de falar da relação entre o trabalho de escritor e a linguagem cinematográfica.
*
Folha - Como aconteceu o projeto do filme "Jogando com a Sorte"?
Paul Auster - É uma longa história. Tudo aconteceu por causa de um amigo que não via há muito tempo. Usei o nome dele para um dos personagens do livro "A Música do Acaso". E ele é muito amigo do diretor Philip Haas. Mostrei a ele o manuscrito logo que terminei, porque, de alguma forma, era um personagem. Como ele sabia que Haas estava procurando uma história para seu primeiro longa metragem... Bem, na verdade o projeto do filme teve início antes de o livro ser publicado.
Folha - Mas a história sofreu alterações na adaptação para o cinema. O fim do livro é diferente do final do filme.
Auster - Sim, sim. Dei completa liberdade para Philip Haas. Afinal é seu filme. Eu nunca interferi. Na verdade o final do livro é ambíguo. Você não sabe o que aconteceu àquele homem. O livro termina antes do final da própria história. O que ele fez no filme foi prolongar a narrativa. Não alterou o fim, mas o prolongou. E isso está ok para mim.
Folha - E você faz até uma "aparição" na cena final.
Auster - É um momento rápido. Isso foi decidido durante a filmagem da cena. Eles me convidaram para o papel do motorista, e tive que tomar uma decisão sob os "spots" de luz. Não tive tempo para dizer nem sim nem não. E havia essa idéia de salvar o herói do meu próprio livro. Era irresistível. Então aceitei. Até agora não sei se fiz a coisa certa. Descobri que atuar é muito difícil. Realmente muito difícil.
Folha - Sua narrativa marca uma preocupação sempre constante com a linguagem, com a própria idéia de narrativa. Você consegue ver alguma influência do cinema em seu trabalho?
Auster - Meu trabalho como escritor não mantém nenhuma relação com a maneira que uma história é contada no cinema. Consigo ver esse tipo de influência em um escritor como Don DeLillo, a quem meu último romance, "Leviatã" é dedicado. Don trabalha com cenas, quase da mesma maneira que uma câmera, cortando de uma cena para outra. Nos meus livros há uma narrativa contínua. A voz que narra é uma voz interna. De alguma maneira, penso que é muito pouco cinematográfica.
Folha - Mas se a influência não se mostra presente na forma da sua narrativa, o filme "Jogando com a Sorte" e sua pequena ponta no filme mostram uma certa fascinação.
Auster - Fascinação? Mas é claro. Eu gosto muito de cinema apesar de não me sentir influenciado por filmes. Posso até dizer o nome de alguns dos meus diretores preferidos (risos). Sou fã de Jean Renoir. Do cinema do japonês Yasujiro Ozu e do indiano Satyajit Ray.
Folha - E um diretor como Jean-Luc Godard, que preserva a palavra tanto quanto a imagem em seu filmes?
Auster - Quando eu era estudante, na universidade, escrevi um longo trabalho sobre Godard. Sobre o filme "Week-end à francesa", você conhece esse filme? Um filme antigo. Eu estava muito interessado em Godard quando era mais jovem. Hoje seus filmes não significam para mim o que significavam aos 20 anos.
Folha - No chamado cinema independente americano, o diretor Hal Hartley explora uma parte da cidade de Nova York, de pessoas desajustadas e sem sucesso, que se assemelham um pouco a seus personagens.
Auster - Eu vi apenas um de seus filmes e gostei muito. "Simples Desejo", que me fez lembrar de filmes de Godard (risos). Um dos meus diretores americanos favoritos, é claro.
Folha - Você trabalha agora em um projeto com o diretor Wim Wenders.
Auster - Na verdade tivemos que cancelar o projeto. Alguma coisa difícil de explicar. Estávamos os dois ocupados com outras coisas. E pretendíamos realizar algo na cidade de Lisboa, mas não pudemos nos encontrar até o prazo final do início das filmagens. Talvez um dia possamos trabalhar juntos, mas não agora. No momento acabo de terminar meu novo romance, "Mr. Vertigo". E escrevo um roteiro para o diretor Wayne Wang. Estamos escolhendo o elenco para o filme. As filmagens terão início na primavera, em Nova York.

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